Desbancando Mitos Sobre Robôs: A Consciência e os Malefícios na Ficção
Começando com a possibilidade da consciência e o que pondero rapidamente sobre sua possibilidade, a resposta correta para a possibilidade de robôs terem consciência não é "sim" ou "não", e sim "ainda não". A consciência, quando entendida como a capacidade de se autoquestionar percebendo sua própria existência (autoconsciência), ou mesmo senciência (capacidade de sentir emoções), não precisa necessariamente ser um espelho da nossa e com isso herdar todos os aspectos, dilemas, contradições e anseios dos humanos. Pensar assim é um erro procedido de uma série de vieses temporais ou de falta de conceituação adequada em ver robôs "autoconscientes" como impossíveis. Pior ainda seria supor que é preciso partilhar todos os atributos humanos juntos simultaneamente, coisa que concomitamente exigiria depois confluí-los (também) de modo a nos ameaçar da maneira como é tipicamente abordada em filmes. São muitos fatores atuando coexistentemente. Tudo isso é uma convergência da essência humana refletida no medo, no que também não diz que suas particularidades isoladas não podem ser parcialmente simuladas com ao menos um aspecto perfeitamente reproduzido artificialmente. Sendo assim, um robô com esses atributos não são impossíveis, e mesmo sendo, também não significaria o fim da nossa espécie (ao menos não pelas mãos deles).
A questão é ainda mais complexa, a ponto de um robô poder tanto ser consciente, mas nada fazer ciente dos aspectos atrozes da natureza humana por não ter emoção/motivação (quando em via de encontrar meios de nos destruir pela razão mais plausível imaginável), especificamente se não dotado de emoção, quanto tê-la e por alguma razão (talvez até esse nosso próprio medo) ser limitado "cognitivamente". O problema é que o típico viés tomado em literatura e filmes SCI-FI tende a inverter esse conjunto, e por mera análise lógica, vemos que, na verdade, essa conjuntura é muito mais temerária do que a primeira. Para isso, basta apenas raciocinar sobre a própria origem de todos os males diretos de homem para homem: as emoções quando dispostas em um contexto negativo (os indiretos tratam dos circunstanciais, acidentes ou ausência de recursos). Aqui, o viés utilitarista seria um suposto contraponto a essa minha perspectiva quando ponderado mediante a ausência de empatia (como se fosse difícil emular um instinto nesse cenário...), dando a entender que robôs desserviriam ameaçando a raça humana em benefício próprio ou visando protegê-la (dela mesma, obviamente). Temos então duas conjecturas (possibilidades) para analisar diante desse quadro.
O porém da primeira é, que essa ideia, deriva de uma incompreensão da própria motivação humana e os mecanismos de seu cérebro, que concilia sintonia da razão com a emoção. Robô, ainda mais sem emoção, não teria motivação nenhuma em fazer nada além de sua programação. Isso não apenas seria absurdo de se admitir pelo mero imperativo funcional de como algoritmos funcionam, como também, ainda que suponhamos um código livre para hora ou outra desdobrar-se nessa mera possibilidade, precisaria derivar de uma noção que contradiz a origem desse próprio mecanismo cerebral nosso refletido. Ele funciona da seguinte forma: a motivação, a curiosidade e os ímpetos (ou "anseios consolidados") dos humanos podem ser resumidos em algo que podemos apelidar genericamente de "essência", mas isso (até pela dinâmica espontânea) não é sempre precedente da lógica e razão, talvez até raramente. Ela depende de uma recombinação natural de um conjunto harmonioso de trabalho de disparos entre sinapses auxiliadas por variados neurotransmissores atuando em confluência, que dentre várias funções, regulam as emoções em equilíbrio.
O hormônios neurotransmissor dopamina (de exemplo) é crucial na sinalização da saliência motivacional, afixando caminhos por onde reconhece que algo nos fará obtermos prazer (advindo por meio de outros hormônios, como opioides endógenos). Por ocasião da convergência evolutiva, considerando o quanto isso é importante para levantar-se até da cama, não é coincidência que sua deficiência resulta em Parkinson, bem como seu excesso não descarregado estabelece esquizofrenia (enxergando "razões" onde não há motivações). A relação disso com os robôs é a contraintuição proveniente do engano e dos equívocos que o mal entendimento de nossa própria natureza ocasiona, nos levando a acreditar que razão é sempre algo dissociado da emoção, o que quando contrastado com robôs, explica por que toda essa fantasmagoria não tem qualquer sentido. Sem emoção, nem só com a razão, os robôs não iriam muito longe mesmo largados soltos programadamente. A exceção seria se fizessem da espontaneidade e curiosidade uma diretriz logicamente estruturada nos códigos da máquina, os obrigando a buscarem algo resultando em interesses genuínos e uma subjetividade consequente, mas isso é improvável, partido mais de nossa própria idealização do que das possíveis que eles venham a ter, não levando em conta que eles simplesmente não se importarão com o que faríamos com seus semelhantes (ou mesmo nossos).
A segunda possibilidade (interessante, até) é a proposta do filme e livro homônimo Eu, Robô (Isaac Asimov), sitiado em uma realidade onde os robôs obedecem às famosas leis (diretrizes) que tentam lapidar suas condutas. São elas:
1ª Lei: Um robô não pode ferir um ser humano ou, por inação, permitir que um ser humano sofra algum mal.
2ª Lei: Um robô deve obedecer as ordens que lhe sejam dadas por seres humanos exceto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a Primeira Lei.
3ª Lei: Um robô deve proteger sua própria existência desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira ou Segunda Leis.
Algum tempo depois, Asimov criou uma quarta lei (chamada Lei Zero), a qual diz: “Um robô não pode fazer mal à humanidade e nem, por inação, permitir que ela sofra algum mal”.
Na trama do filme, dilemas acontecem e os robôs em dadas ocasiões se vêem obrigados a operarem com base no "utilitarismo", o que dada às ressalvas quanto a toda conceituação em volta dessa descrição, resultam em indivíduos nada felizes com certas decisões, em especial o Spooner (Will Smith), que se ressentiu com as máquinas ao implorar para morrer a um robô em detrimento desse escolher uma menina em seu carro submergido na água (ainda que ela tivesse quase nenhuma chance de sobreviver). No decorrer do roteiro, é descoberto que uma I.A. central autoconsciente (uma Skynet "bem intencionada" - segundo ela mesma) pretende conquistar o domínio da Terra visando controlar a humanidade por via da quarta lei, chegando a uma óbvia conclusão de que ela não era capaz de proteger a si mesma, por isso baseando sua existência na garantia absoluta do vigor de sua diretriz mais imperatória por via do controle.
Esse destino é provável, e não o acho interessante apenas por ser concebível ou até nobre da parte da máquina parando para pensar, e sim porque ele simplesmente já é uma realidade desde o advento do Estado moderno, e o pior: comandado por pessoas dotadas em livre arbítrio (teoricamente se não entrarmos em detalhes sobre teorias da mente). Conhecendo a mentalidade humana não é preciso ir muito longe para transferir todo esse medo do futuro dessa possibilidade para o presente, ainda mais sabendo que uma máquina daquele porte - em razão do próprio fator humano - é mais provável de servir aos interesses vis de governos autoritários, comandados por humanos, do que os dos comandados por máquinas derivativas dessas diretrizes. Sendo assim, se o futuro tiver de ter uma espécie de Skynet por meio dessa possibilidade, é melhor que venha assim, do que paradoxalmente como parte de um projeto regido por humanos, que com certeza o conduzirá como arma de destruição ou ferramenta de controle (como praticamente já vem sendo feito na China).
As inspirações para o texto foram três vídeos do Elegante sobre Ex_Machina e outro sobre o supracitado filme Eu, Robô, com comentários dele e de pessoas no vídeo que me fizeram refletir a tarde toda sobre alguns questionamentos e respostas a eles (o mais influente foi este).
Comentários
Postar um comentário