Glossário de Sociocibernética (Delfim Soares)

             A presente postagem consiste em um backup de um dicionário eletrônico que encontrei pelas andanças em meados de maio do ano passado. Seu autor, Delfim Soares, que apresentando-se como pesquisador, sociólogo, Mestre em Ciências da Educação e Doutor em Filosofia, compilou o presente dicionário que futuramente usaremos nas análises da Fraternidade.

Origem: http://www.compuland.com.br/delfim/gloss.htm


ANDRANACRONISMO: (de anhr, andros; + ana+cronos) - visão da obsolescência do homem. À luz do desenvolvimento científico e técnico, o humanismo dominante nas sociedades tradicionais está claramente ultrapassado. Trata-se de um humanismo espiritualista e intelectualista, numa perspectiva filosófica generalizaste em que o homem não é encerado como indivíduo concreto mas como natureza humana. Dominada por um sistema de valores mais ou menos sentimental, a concepção do homem tradicional se choca frontalmente com o novo tipo de humanismo que se instaura nas sociedades pós-industriais: um humanismo materialista e tecnocrata. O homem, como animal, sofre alterações muito lentas na perspectiva da evolução, não havendo diferenças significativas entre o homem da sociedade pré-industrial e o homem da sociedade tecnológica. No plano da estruturação psíquica, interiorização social ou vivência axiológica, houve profundas transformações. Conseqüência natural dessa mudança é o caráter obsoleto do homem sentimental, narcisista, espiritualista, escravo do passado. Também estão ultrapassados os movimentos de retorno saudosista ou de repúdio do desenvolvimento tecnológico bem como as tentativas de ressurreição do sentimentalismo. O novo modelo de homem se volta sobre si mesmo, buscando sua satisfação material. Um novo sistema de valores, mais objetivo e mais realista se instaura situando o novo humanismo numa perspectiva existencial mais concreta e individualista. O modelo tradicional, objeto da antropologia retrógrada, se arrasta como artigo de museu, dentro da nova sociedade. Esse espécime, prestes a transformar-se num fóssil da nova pré-história, - a era pré-tecnológica ou pré-cibernética, está em fase de extinção. Trata-se de um novo primata nesta nova era da evolução: uma nova espécie está surgindo. É o cibernantropo. Filosofia, crítica, religião, pieguismo sentimental, sublimação ideológica das necessidades humanas formam um quadro de agonia. O velho homem, configurado pelo obsoleto, doutrinado e sublimado, transforma-se num marginal da cultura cibernética. Antropocêntrico e megalomaníaco, atribuindo-se o clímax da evolução e a perfeição do conhecimento, resta como motivo de ironia diante dos avanços da ciência e da tecnologia.

ANDROICOLOGIA: (do grego anhr, andros + oikos + logos) - estudo das condições de vida numa sociedade cibernética. É sobejamente conhecida a correlação existente entre o desenvolvimento tecnológico e o empobrecimento ambiental. As doenças da civilização tecnológica se alastram. São os distúrbios provocados pela poluição e pela radiação, o aumento das doenças cardíacas geradas na agitação da industrialização; generalizam-se as neuroses provocadas pelo stress das megalópoles. Numa fase de transição, com o desenvolvimento descontrolado e sujeito à manipulação irracional do homem, criaram-se problemas tão sérios para a existência humana que freqüentemente se levanta a hipótese da total perda de condições de sobrevivência da da própria espécie neste planeta. Efetivamente, o caráter predatório da besta humana supera todas as outras espécies. No entanto, a mesma ciência e técnica que foi usada para gerar esses problemas pode ser utilizada para encontrar as soluções adequadas para resolvê-los. À medida em que os centros de decisão da organização social passam para o controle mecânico e os geradores humanos são substituídos por máquinas inteligentes a possibilidade de comportamento decisório irracional torna-se extremamente remota, ao contrário do que acontece rotineiramente nas sociedades cujos sistemas são controlados e perturbados emocionalmente pelo homem. A partir do momento em que a organização social passa a ser regulada por mecanismos lógicos, é provável que sejam garantidas as condições ecológicas e se eliminem os predadores inoportunos. É fundamental que, para se garantir o equilíbrio ecológico, o homem, - animal emocional, - seja afastado do comando do sistema e condicionado a executar decisões mecânicas regidas pela eficiência e pela lógica. O atual desequilíbrio social resulta do predomínio emocional sobre o comportamento humano. A hipertrofia predatória do homem não tem origem animal mas social, nas organizações caricaturais das sociedades tradicionais. Reduzido o homem à esfera animal e condicionado mecanicamente para o comportamento racional, o equilíbrio ecológico está praticamente garantido. Tal processo, porém, só é possível numa sociedade dominada por um sistema de inteligência artificial, em que a lógica prevaleça permanentemente sobre a axiologia.

ANDRÓIDE: (do grego anhr, andros) - conjunto de mecanismos ou sistemas semelhante ao homem. Apllicando a metáfora do Génesis à criação do homem, pode-se dizer que o homem criou a máquina à sua imagem e semelhança, no campo da cibernética. Podemos apontar dois tipos básicos de semelhanças: a aparência física e a aparência intelectual. No campo da aparência, a técnica atingiu tal perfeição que consegue reproduzir não apenas a forma física humana e seus movimentos mecânicos mas também todos os sentidos e funcionamento orgânico podem ser tecnicamente simulados: poderíamos falar aqui de um organismo artificial. O dado mais importante, porém, está na criação da inteligência artificial. O sistema nervoso, bem como a estrutura celular do cérebro que produz a inteligência são substituídos por conjuntos eletrônicos que não só acolhem e conservam o conhecimento mas também o produzem, elaboram e reelaboram. O surgimento da máquina inteligente, de que é protótipo o computador, significa um salto dialético na evolução da humanidade e não apenas na evolução da ciência e da tecnologia. Há muita gente que, dominada pela esclerose cultural e abismada em sua impotência intelectual, frente às possibilidades quase infinitas do pensamento artificial, resiste ao conceito de inteligência eletrônica. Existe ainda o complexo de inferioridade invertido, manifesto na pretensão da exclusividade da inteligência humana. Agrava-se esta cegueira na reafirmação de um sofisma metafísico: o de que o criado (a máquina) não pode superar seu criador (o homem). Tal sofisma que, a ser verdadeiro, significaria a impossibilidade do progresso e da evolução, gera uma miopia intelectual extremamente ampla. Devido à sua superioridade na eficiência, na inteligência e na atividade, os andróides tendem a transitar do exercício de funções subalternas para atividades centrais, começando a dominar os órgãos de decisão e gestão empresarial. O sistema econômico é o primeiro a ser dominado pelas máquinas inteligentes; a tendência é a expansão da ação destas máquinas a todos os outros campos da organização social. Não se trata propriamente de uma concorrência entre o homem e o andróide, mas da transferência do trabalho para a máquina, deixando o homem livre para o lazer. A propósito, convém realçar que a semelhança mais importante entre o homem e o andróide é a capacidade intelectual e não a aparência física. Os neurônios do homem são substituídos por circuitos eletrônicos que podem atingir uma capacidade intelectual milhões de vezes superior à humana, num procedimento lógico permanente, contrastando com as constantes perturbações emocionais características do homem.

AUTOMAÇÃO: ( do grego autômatos) - transformação das atividades, substituindo o homem pela máquina. Podemos apontar dois níveis da automação. O primeiro acompanha a revolução industrial, modificando o sistema de produção pela introdução das máquinas ao lado do trabalho humano. Essa mudança visa aumentar a eficiência da produção, substituindo o esforço físico do homem pela energia mecânica. À medida que a sociedade se industrializa e se verifica a conveniência da tecnicização do sistema de produção, o homem vai vendo diminuída a necessidade de seu trabalho não só manual mas também intelectual, com a introdução da computação nos quadros empresariais. Lentamente, a força de trabalho vai sendo orientada para novos setores de atividade, ao mesmo tempo que se reduzem significativamente a jornada de trabalho e o tempo de serviço por vida individual. Este processo força a criação de atividades terciárias e a ampliação do tempo livre que poderá ser aproveitado para o lazer ou nalguma atividade criativa. A rotina do trabalho industrial vai sendo reduzida, pelo menos, no que se refere à sua duração. Quanto menor a participação do trabalho humano no sistema de produção, mais vantajoso se torna o processo, sendo economicamente ideal um sistema totalmente mecanizado. A automação ultrapassa os limites da produção e se estende a quase todas as áreas da atividade humana. Esta expulsão do homem pelo sistema de produção, jogando-o de um setor para outro, provoca uma inversão significativa nos critérios de valorização humana e nos padrões de referência para a realização do homem. A mentalização ideológica de dignificação do trabalho perde o sentido: é preciso condicionar o homem a procurar sua realização fora do trabalho. O segundo grau de automação se refere à autonomia dos organismos mecânicos, principalmente os autosuficientes, possuidores de inteligência artificial e autoreprodutores em escala industrial. A suficiência material e intelectual das máquinas mais aperfeiçoadas, bem como sua autoreprodução constitui-se num passo decisivo para a emancipação da máquina do domínio do homem; neste estágio começa uma nova civilização, uma nova era: a era cibernética. Diante dela, a história pouco se diferencia da pré-história.

BIÔNICA: (do grego bios) - manipulação do organismo humano pela cibernética. O aprofundamento do conhecimento biológico propiciou não só o desvendamento dos mistérios que envolviam o corpo humano mas também as possibilidades concretas de controle sobre a vida do homem. Tais possibilidades incluem a manipulação genética e o desenvolvimento da neurologia e da cirurgia, ou melhor, da engenharia humana. Atingem-se, pelo uso da ciência e da tecnologia, as condições de uma verdadeira eugenia. Torna-se possível determinar geneticamente as características do homem e de sua inteligência. A harmonização da química orgânica, da biologia e da neurologia com a eletrônica produz resultados tão marcantes que podemos caracterizá-los com verdadeira metamorfose da espécie humana. Esta mutação não se deve apenas às novas condições de eugenia, mas principalmente aos recursos tecnológicos que estão sendo colocados a serviço do organismo humano. De uma fase inicial de transplante de órgãos, atingimos a simbiose eletrônico-somática. O enxerto de órgãos artificiais no homem dá-lhe maior duração de vida, maior eficiência e maiores chances de recuperação. Criam-se bancos de órgãos naturais e artificiais: gera-se uma nova indústria e comércio de peças de reposição para o corpo humano. Cirurgia e engenharia humana se identificam. Todo o controle médico passa a ser feito eletronicamente, sendo as juntas médicas substituídas por computadores. O ponto alto desta simbiose se situa na combinação do cérebro humano com um centro de computação, dando ao homem capacidade intelectual ilimitada e superando suas precárias possibilidades cerebrais. Além da inteligência artificial adicionada por essa combinação, podemos ainda referir a adição de sentidos artificiais, otimizando a interação do homem com o meio ambiente. O homem, como indivíduo e como espécie, sempre alimentou um desejo incontrolável de superação. Tal superação se torna possível na era cibernética, onde até a possibilidade da imortalidade já é vislumbrada como hipótese científica.

CIBERNAÇÃO: (do grego kubernhsis) - implantação da automação do sistema econômico, centralizando o domínio da computação. O sistema de comunicação eletrônica se funde com o sistema de produção e com a organização administrativa, refletindo-se em outras áreas, como a dominação política e a difusão cultural. A organização sistêmica atinge o máximo de centralização; as mensagens são uniformemente codificadas, procurando reduzir-se a entropia ao nível mínimo. É sensível uma evolução sistêmica no que se refere aos veículos e instrumentos de interação entre os geradores e os executores. No sistema embrionário, os agentes mecânicos são apenas executores, cabendo toda a decisão a elementos humanos. Num estágio intermediário de automação, os elementos mecânicos colaboram na elaboração e determinação das decisões; atingindo o estágio do sistema cibernético de organização empresarial, social ou política, os geradores humanos são substituídos por elementos mecânicos, permitindo que a eficiência e a logicidade sem transformem em critérios básicos e imprescindíveis para a formulação de decisões. Quando o controle do sistema se encontra nas mãos de elementos humanos, as perturbações emocionais, a instabilidade estrutural do homem e sua tendência para a irracionalidade impregnada de juízos de valor de orientação retrógrada geram uma grande dificuldade para garantir-se um mínimo de organização que permita a nomenclatura de sistema. O domínio cibernético se inicia na área da administração econômica e da rede de comunicações. Dominados estes dois campos, torna-se relativamente fácil estender a cibernética a outros setores da vida social. Efetivamente estão controladas pela cibernética as atividades mais importantes da organização social; no plano do controle das necessidades materiais, o domínio da economia garante a cibernação, a partir da base da estrutura social; ao nível da ideologia, a rede de comunicações permite a manipulação abrangente das instituições e das classes ou grupos sociais, alimentando, gerando e perpetuando necessidades artificiais com o objetivo de alongar indefinidamente o conflito e a tensão que permitem a dominação social fácil do indivíduo e da massa. O crescimento da complexidade social torna cada vez mais difícil a manutenção da organização; as sociedades industriais e pós-industriais atingiram um estágio crítico, não se vislumbrando outra forma de organização eficiente, a não ser aquela que é centrada na automação e cujo centro de referência é um sistema de computação e uma eficiente rede de comunicações para veicular eletronicamente as decisões do sistema.

CIBERNANTROPO: (do grego kubernhths + anqrwpos) - o homem feito à imagem e semelhança da máquina. No plano físico, não se distingue sensivelmente do homem tradicional, a não ser por um natural aprimoramento resultante da aplicação da ciência e da técnica. Não é um andróide ou um robot. Trata-se de uma nova espécie humana. Encontraram-se os mecanismos de controle biológico, podendo agora aplicar-se um processo de verdadeira eugenia científica. Como o primata está para o homem, está este para o cibernantropo. O cibernantropo possui uma nova estruturação psíquica; o sistema social de valores que ele interioriza está inserido numa concepção existencial bem diferente da tradicional. Não é um autômato, mas seu comportamento tem muito poucas chances de se desviar dos padrões socialmente estabelecidos, em vez do controle eletrônico que costuma estabelecer-se sobre os andróides, o cibernantropo possui uma série de mecanismos psicossociais quase tão eficientes quanto o controle eletrônico. Nas sociedades tradicionais costuma o homem reproduzir o meio em que é criado; normalmente o indivíduo reflete a estrutura mental e emocional das pessoas que o educaram; há uma tend6encia natural da socialização para transformar o processo numa ag6encia de reprodução. Tal reprodução envolve a interiorização do sistema social de valores, o modo de pensar, sentir e agir; podemos falar de um reprodução das personalidades, no plano psicossocial. Cada agente de socialização se repete nos socializandos. Transpondo o processo de socialização, - que preferimos chamar de sociocibernação, - para as sociedades pós-industriais, de elevado índice de automação, podemos deduzir que o novo homem, socializado pela máquina, num sistema de valores dominado pela lógica, reproduzirá naturalmente a nova estrutura axiológica que o condiciona. E, se a força do condicionamento social já é tão eficiente nas sociedades tradicionais, a ponto de eliminar algumas forças instintivas, qual não será o resultado do condicionamento num sistema sociocibernético? O cibernantropo é frio, porque tenta reproduzir o procedimento da máquina, sem sentimentos, emoções ou instintos; em virtude de tal condicionamento, estas forças naturais são enfraquecidas ou canalizadas de acordo com os interesses do novo sistema. Só com o domínio cibernético, o homem tem chance de viabilizar uma característica que sempre se atribuiu: a racionalidade. Atinge assim um nível de coerência que não conheceu em nenhuma época da história, aproximando-se mais da natureza e reproduzindo parcialmente a concepção de vida do homem primitivo. Assim se tocam dois extremos: o primitivismo naturalista e o desenvolvimento da racionalidade, iniciado pela filosofia, viabilizado pela ciência e concretizado pela cibernética. O cibernantropo não se reproduz em laboratórios; ele se processa no meio social, ou melhor, está- se processando nas sociedades mais evoluídas, numa transformação mais ou menos gradativa e inconsciente.

CIBEUGENIA: (do grego kubernhsis + eugeneia) - processo de aprimoramento da espécie humana pela cibernética. Conhecemos, na história algumas tentativas drásticas em favor da eugenia, recorrendo a mecanismos de prevenção ou eliminação de doentes ou atrofiados, de que é modelo a cultura espartana da antiguidade clássica. O desenvolvimento da ciência e da tecnologia trouxe as condições adequadas para se promover eficientemente a eugenia. Aliás este é um ideal universal ainda que inconsciente e todos os fatores de progresso são, de certa forma, fatores eugênicos. O desenvolvimento de uma sociedade é, mesmo inintencionalmente, um processo de eugenia: os homens que vivem nas sociedades pré-industriais, possuem, em média, piores condições físicas e intelectuais do que aqueles que sofrem influência do desenvolvimento pós-industrial. Ao lado dessa eugenia inconsciente, a ciência e técnica hodiernas podem promover um processo mais radical e mais eficaz. Partindo da seleção genética, pode atingir-se a combinação de genes ideal, tanto para o aprimoramento físico quanto para a capacidade intelectual; a gestação em laboratório permite evitar os inconvenientes da gestação natural e facilita a manipulação biológica para se alcançarem padrões ideais; o controle nutricional e ambiental facilitam a eugenia; o acompanhamento científico do condicionamento físico e da estruturação intelectual garante esses padrões. O desenvolvimento da medicina preventiva é um fator importante neste processo. Numa fase mais avançada, a engenharia humana contribui eficazmente neste aprimoramento da espécie, servindo-se de cirurgia, da eletrônica e da cibernação biológica. Embora encontremos, nas sociedades tradicionais, fortes obstáculos culturais e legais à maioria das práticas de eugenia, - devido à dependência da ética médica, controlada por moralismos anacrônicos, - a situação da engenharia humana tende a seguir as modificações operadas na sociedade cibernética, com um novo sistema de valores. O domínio da moralidade tende a ser substituído pela racionalidade e a ética está dando lugar à lógica. Quando a transformação atinge proporções significativas no contexto social, dificilmente persistem obstáculos sentimentais saudosistas. A engenharia humana é parcela irreversível no processo de evolução para a plenitude de uma sociedade cibernética.

CIBEUREMIZAÇÃO: (do grego kubernhsis + euresis) -investigação, pesquisa e descoberta científica dominada pela cibernética. São bem conhecidos os processos tradicionais de produção do conhecimento, desde a experiência que origina o conhecimento vulgar, a especulação crítica que gera o conhecimento filosófico até a experimentação rudimentar que tem produzido o conhecimento científico. Profundidade e abrangência em larga escala dificilmente podem ser produzidas pelo cérebro humano: os gênios são tão escassos quanto limitados. A capacidade de concentração do conhecimento, abrangência e exatidão são extremamente limitadas no cérebro humano. A computação, aliada a outras descobertas da ciência e da técnica, devido à sua capacidade ilimitada de manipulação e combinação de informações, criou as condições materiais e técnicas que tornam possível aprofundar a investigação científica a um nível sequer imaginado em épocas anteriores. Chegamos a um círculo de aceleração crescente nas contribuições que a ciência e a tecnologia permutam. Neste processo, os pesquisadores passam a ser instrumentalizados pelas máquinas inteligentes, tendo a ciência condições mais adequadas para atingir a tão almejada neutralidade axiológica e objetividade; estas virtudes, atribuídas tradicional e idealmente às ciências, raramente foram alcançadas, principalmente no que se refere às chamadas ciências humanas. O processo de cibeuremização, secundarizando ou mesmo prescindindo, parcialmente, do elemento humano no exercício da pesquisa e da produção científica, gera um conhecimento mais exato, mais amplo e mais seguro. Esta superação da ciência pela ciência e do cientista pela máquina inteligente representa uma mutação muito significativa. Como acontece no sistema sociocibernético, também no plano cognitivo a eficiência cresce na mesma medida em que diminui a participação humana. A aceleração do progresso científico ultrapassa a capacidade humana. O sonho positivista de Comte concebendo uma sociedade dominada pelos sábios e cientistas constitui-se numa previsão aproximada da nova realidade; não são propriamente os sábios e cientistas que controlam a nova sociedade, pois as máquinas inteligentes comandam o processo, a partir do salto em que superaram a inteligência biológica; os cientistas e os técnicos passam à condição de assessores de tais máquinas. Podemos dizer, no entanto, que a ciência, como processo, domina a sociedade cibernética. Trata-se de uma nova ciência, inserida do contexto da automação.

CIBORGANIZAÇÃO: ( do grego kubernhsis + organon) - organização centrada no modelo cibernético. A organização econômica, social ou política há muito tempo vem-se atribuindo o nome de sistema. No entanto, seu grau de organização era tão precário que, a rigor, tratava-se de uma forma caricatural de sistema. Devido à aliança entre a informática, a eletrônica e a rede de comunicações, tornou-se possível concretizar o verdadeiro sistema social. As primeiras formas de viabilização sistêmica de importância social aconteceram no processo de comunicação e na administração empresarial; dessa forma, a cibernética dominou duas áreas vitais da organização social. Nas sociedades tradicionais, são as instituições as mais ostensivas manifestações da organização social concreta. Com o advento da cibernética, algumas instituições, - principalmente aquelas onde predomina a objetividade e a lógica, - adotaram o modelo cibernético como base organizacional. Ao contrário, aquelas instituições que são dominadas pela subjetividade e pela valorização da emotividade, sempre manifestaram uma certa aversão pela tecnicização dos modelos centrados nas relações interpessoais. Pode observar-se que as áreas institucionais onde predomina a segunda situação não são vitais para a organização, sob o prisma específico do sistema. Quando se tolera a permanência dessa mentalidade retrógrada é porque ela não interfere seriamente na eficiência da organização sistêmica. Tal liberdade emocional pode até atuar como sustentáculo estratégico da manipulação social alcançada pela ciborganização. Neste modelo, o condicionamento é tão penetrante que as formas ilusórias de opção comportamental, ao mesmo tempo que dão aos indivíduos (melhor classificados como elementos) a sensação de autonomia e independência em relação ao sistema, criam o ambiente propício à manipulação do inconsciente, ampliando a eficácia do controle. À medida que os elementos humanos são secundarizados e recondicionados, amplia-se a possibilidade da ciborganização em grande escala, direcionada para a universalidade e tendo a rede de comunicações como sistema nervoso social.

COMPUTERIZAÇÃO: organização e sistematização a partir do computador. A computação tornou-se um processo imprescindível nos modelos organizacionais contemporâneos. A eficiência das máquinas que produzem inteligência artificial é inquestionável, se a confrontarmos com a quase permanente inoperância humana, determinada pelas limitações da inteligência natural. Quando falamos de computerização, significamos a introdução do uso de computadores em todas as áreas da atividade humana. É a centralização cibernética da administração; a sistematização política centrada na tecnologia; a pesquisa científica organizada e elaborada por meios artificiais de inteligência. Todo o controle social passa a ser organizado e determinado por centros de computação; os órgãos de decisão passam do controle humano para o controle mecânico; as decisões, determinadas por máquinas inteligentes, são executadas tanto por elementos mecânicos quanto por humanos. O grau mais acentuado da computerização se verifica na simbiose eletrônica entre o cérebro humano e o computador. O homem computerizado supera o homem biológico, - de capacidade intelectual rudimentar e primitiva, - do mesmo modo que os modernos complexos empresariais superam as primitivas empresas, organizadas à base do artesanato e da improvisação administrativa. A computerização se inicia pelas áreas centrais da organização social; depois vai dominando as áreas periféricas e secundárias do sistema, até se instalar no interior dos indivíduos. A revolução pós-industrial marca o advento da tecnocracia. Os primeiros computadores estão superados. Cada nova geração de máquinas inteligentes marca uma etapa decisiva para se atingir a plena instauração da dominação mecânica. Não é necessariamente uma dominação forçada ou violenta; é claramente uma dominação agradável e desejada. Aproxima-se a época em que a máquina será capaz de fazer tudo. As limitações intelectuais e a impotência agente do homem são finalmente remediadas pela ação mecânica e pelo pensamento artificial.

CRONODINAMISMO: (do grego cronos + dunamikos) - aceleração da dimensão temporal da existência. Já o velho Aristóteles classificou o tempo com a medida do movimento. O racionalismo de Kant especulou sobre a transcendentalidade do espaço e do tempo. Sem dúvida, podemos atribuir ao tempo existencial características bem diferentes daquelas que podem ser observadas num cronômetro, como pode deduzir-se das especulações de M. Heidegger. O estado de espírito do homem, com suas ansiedades, esperanças e incertezas, transforma o tempo existencial numa esfera predominantemente subjetiva. Quando situamos a dimensão temporal no contexto sociocultural, constatamos a relatividade originada pela efemeridade das perspectivas existenciais do homem tecnológico. A cultura tecnológica aprofunda as tensões, alimenta os conflitos e, pelo seu controle, aprimora a manipulação social. Trata-se de uma espécie de instabilidade transubjetiva, introjetada a partir da revolução permanente, gerada pela aceleração tecnológica. Não se deve pressupor que tal aceleração traz consigo o crescimento da desorganização social ou do comportamento divergente. Devido ao domínio da cibernética, Atingiu-se o controle das mudanças sociais, estabelecendo-se o equilíbrio entre a mutabilidade axiológica e a estabilidade das instituições centrais, controladas pela inteligência artificial. Encontramos neste novo modelo dois campos mais ou menos distintos: o da logicidade cibernética, de onde emanam as forças que garantem a estabilidade, e o da dispersão emocional, - intrínseco ao comportamento humano, - de onde se origina a instabilidade. A diversidade produzida pelo segundo campo não coloca em risco a padronização e homogeneização produzida pelo primeiro. Desta forma, ao mesmo tempo que se respeita a diversificação dos valores periféricos, se desenvolve e aprofunda a unidade dos valores centrais do sistema. O dinamismo crescente que constatamos na sociedade cibernética, acelerando as mudanças na periferia sistêmica, atinge o subjetivismo consciente do homem, gerando nele a sensação de impermanência existencial. A estabilidade subconsciente, produzida pelo condicionamento sociocibernético, se fortalece. Embora a transitoriedade predomine ao nível da consciência subjetiva, a permanência interna se aprofunda, como resultado e reflexo da influência do modelo organizacional cibernético. Deve ainda realçar-se a importância das redes de comunicação na revolução das noções de espaço, tempo e movimento. Mais do que transcendência kantiana, trata-se de verdadeira transmutação espaço-temporal.

DAPANANTROPO: (do grego dapanaw + anqrwpos) - o homem obcecado pela voracidade consumista. A sociedade de consumo surge como conseqüência simultânea de várias forças, diferentes mas convergentes. Entre elas, podemos referir a revolução industrial e pós-industrial que, automatizando o sistema de produção, reduziu o homem à condição de consumidor, uma vez que seu trabalho foi substituído pela ação mecânica; o desejo desenfreado do sistema capitalista de aumentar indefinidamente os lucros, recorrendo à ampliação do consumo, como meio de aumentar a produção; a colocação da cultura e das redes de comunicação a serviço dos interesses econômicos, expandindo uma mentalidade consumista; a instauração da consumocracia, promovendo uma inversão axiológica nas relações entre produção e consumo e entre trabalho e lazer. Enquanto se promove, em plena revolução industrial, uma ideologia em que o trabalho é a principal forma de dignificação humana, com a revolução pós-industrial, a ideologia vê-se instrumentalizada e forçada a agir em outra direção; efetivamente não tem mais sentido sistêmico valorizar o homem por uma atividade que se tornou contraproducente, frente à efici6encia das máquinas; difunde-se então, discreta mas eficazmente, uma nova ideologia que promove a dignificação do homem e sua realização pelas coisas que tem e, principalmente, pelas novas coisas que sempre está adquirindo, para logo depois se desfazer delas e as substituir, num movimento obcecado pelo ter e consumir, cada vez mais vazio de ser, no plano existencial. Mais do que nunca, o homem é valorizado pelo que tem e por sua capacidade devoradora de produtos, num processo em que o supérfluo se torna essencial. Aprofundando o nível da insatisfação superficial, a sociedade de consumo estimula neuroticamente a necessidade da voracidade crescente. Geram-se necessidades artificiais que complementam ou contradizem as necessidades básicas. Inverte-se repetidamente a importância do natural e do artificial no campo do necessário. O supérfluo é estabelecido como imprescindível e o secundário como básico para incentivar a continuidade e a neurose do consumo. Este estado neurótico se universaliza e se normaliza. Conseqüentemente, a não participação da mentalidade e da prática consumista centrada no supérfluo significa automaticamente a marginalização social do indivíduo.

DIAFORONECROSE: (do grego diaforos + nekros) - morte das diferenças individuais e sociais. Podemos situar o enfraquecimento ou o desaparecimento das diferenças em vários níveis: a padronização mental, gerando estruturas intelectuais uniformes e introjetando nos indivíduos uma visão sociocultural única; promovendo o enfraquecimento dos valores periféricos diversificados e fortalecendo valores centrais uniformizantes, na elaboração dos padrões morais e na formação do caráter; estimulando pragmaticamente o isomorfismo comportamental; diminuindo ou destruindo as barreiras sociais que separam os indivíduos ou os grupos; promovendo a igualdade social, pelo enfraquecimento da estrutura de classes; diminuindo, pelo recondicionamento social, o desejo de dominação, a vontade do poder e o desejo de exploração do homem pelo homem. Muitas destas hipóteses são consideradas utópicas, mas tem que se observar que o principal instrumento de dominação e diferenciação se situa, em toda a história, na manipulação das necessidades: os homens são inferiores e dominados quando não possuem os meios para satsifazerem suas necessidades. A minoria superior é a que consegue satisfazê-las, perpetuando, ampliando e aprofundando as necessidades da maioria inferior. Esta dialética da necessidade-satisfaçãopoder acompanha toda a história das civilizações. A sociedade tecnológica tende a eliminar as duas forças básicas que geraram a diferenciação na estrutura social: a necessidade e, simultaneamente, a dominação nela baseada. Efetivamente, o progresso tecnológico, a automação generalizada e a instauração universal do consumismo levam à satisfação material da massa, em confronto com a satisfação exclusivista das elites dominantes nas sociedades tradicionais. Ao mesmo tempo, o comando do sistema passa das mãos dos homens para as máquinas. O sistema sociocibernético não só retira a dominação das mãos do homem, mas também recondiciona sua mentalidade, desvalorizando a vontade do poder. No novo sistema todos são iguais, não como acontece na ficção jurídica das sociedades tradicionais ou nas utopias socialistas, mas porque todos são receptores do mesmo sistema e executores de suas decisões ou determinações, elaboradas a partir de uma ordem lógico-cibernética.

DISESTENIA: (do grego dus + aisqhma) - enfraquecimento do sentimento. O desenvolvimento tecnológico, culminando com a instauração do sistema sociocibernético, leva a uma nova concepção humanista, de natureza materialiasta. O ambiente sentimental que envolve a socialização+ e as relações humanas, nas sociedades tradicionais, tende a modificar-se no sentido da racionalidade e da objetividade. Quando se analisa a natureza e a origem dos sentimentos humanos, constata-se seu caráter sociocultural ou psicossocial, Nalguns desses sentimentos, dificilmente se encontra uma origem biológica ou natural, tratando-se de mecanismos socioculturais interiorizados e instrumentalizados a serviço da manipulação social. O sentimentalismo, é, pois, uma exploração social da emotividade a serviço do controle, nas sociedades primitivas. A promoção da eficiência, num sistema organizado macanicamente, leva à desvalorização da emotividade e gera uma natural dificuldade para a manutenção ou perpetuação do modelo anacrônico baseado nos sentimentos. Paralelamente à instauração do domínio cibernético, purificam-se as emoções humanas, reduzindo-as ao plano meramente animal. Embora as forças instintivas possam acidentalmente opor-se à racionalidade lógica ou à eficiência mecânica, sendo naturais, estão mais próximas da logicidade do que as perturbações emocionais, normalmente chamadas de sentimentos. O cibernantropo não enfraquece necessariamente sua capacidade de sentir como animal, mas sua emotividade, determinada sentimentalmente pela cultura do passado, é atrofiada. O meio que envolve o homem, na sociedade cibernética, aboliu os mecanismos culturais e axiológicos que estimulavam o sentimentalismo. As novas formas de condicionamento tendem a prescindir desse tipo de exploração psicossocial. Molda-se o cibernantropo na abundância material, abolindo as carências que neuroticamente acirravam os sentimentos; mecaniza-se a organização social e seus reflexos no comportamento aproximam-se do determinismo; a cultura de consumo está interessada em ajustar o homem, como número ou peça de uma máquina, aos padrões do novo sistema. O que se espera de uma máquina não é que sinta mas que funcione. O cibernantropo, produzido à imagem da máquina, é criado para funcionar e não para viver uma neurose permanente, com acontece com o homem pré-tecnológico.

EFEMERISMO; ( do grego efhmeris) - transitoriedade dos padrões e dos valores socioculturais. Vivemos, na sociedade tecnológica, a cultura do descartável. Não são apenas as embalagens comerciais ou industriais que são descartáveis; os produtos são fabricados para se jogarem fora, logo a seguir à sua aquisição. Há uma espécie de infantilização comportamental, promovendo a busca sôfrega das coisas, para logo se desfazer delas. Descartáveis não são apenas as coisas e os produtos mas também as idéias, os conceitos os sentimentos, as relações humanas e mesmo as pessoas; descartáveis são os lugares, os amigos e os familiares. O caráter passageiro das novas formas culturais se reflete e reproduz na transitoriedade das relações interpessoais, mesmo que sejam instituídas. Os valores que envolvem o comportamento diversificado se alteram rapidamente. A aceleração das mudanças, mesmo superficiais, deixa para trás os indivíduos de mentalidade mais conservadora. Não é apenas o dinamismo temporal que provoca tal transitoriedade axiológica. Ao lado da banalização existencial, a implantação da cultura de massa e a consumocracia impõem a necessidade estrutural da impermanência na periferia do sistema, como mecanismo de sustentação da estabilidade central. A superficialização intelectual, estimulada pelo consumismo e pelo conformismo, amplamente difundida pelos mass media, diminui a reflexão crítica, provocando uma substituição generalizada da inteligência pelo infantilismo. Gera-se, assim, uma certa volubilidade comportamental, como reflexo da instabilidade cultural periférica. A teorização do homem inacabado, tão importante para o existencialismo, e a doutrinação sobre a educação permanente constituem -se em movimentos ideológicos. Embora auto-caracterizados como posições filosóficas ou pedagógicas, que acompanham e, de certo modo, preparam intelectualmente o homem para assumir internamente a natureza efêmera de suas relações, seus objetos, seus valores circunstanciais e sua própria existência. Desta forma, a impermanência material é acompanhada e respaldada por movimentos doutrinais que permitem o recondicinamento de todos os indivíduos, inclusive os que têm instrução mais apurada ou um nível de consciência mais crítica.

ERGOFOBIA: (do grego ergon + fobos) - aversão ao trabalho. O homem primitivo desconhecia o conjunto de atividades que a moderna economia classifica como trabalho. Quando a saturação demográfica gerou a necessidade do trabalho e se afirmou a lei do mais forte, a espécie humana se dividiu em escravos e homens livres, trabalhando os primeiros para garantir o bem-estar dos segundos. A história nos mostra que os homens que exerceram a dominação social sempre tiveram aversão pelo trabalho e, em muitas épocas, proclamaram o trabalho com infâmia e função animalesca que degradava o homem, social e intelectualmente. Há características biológicas e históricas na aversão pelo trabalho. Quando a revolução industrial determinou a abolição nominal da escravatura, como forma de estimular a produção, aprofundando ainda mais a exploração do homem pelo homem, tornou-se necessária uma campanha doutrinal, no plano internacional, para eliminar, nas classes trabalhadoras, os aspectos pejorativos e degradantes ligados ao trabalho. A nova mentalidade elimina a infâmia e a degradação, instrumentalizando o trabalho como realização humana e social. É claro que tal receita ideológica, elaborada e determinada pela elite, jamais foi vivida ou existencialmente introjetada pelas classes superiores. A revolução pós-industrial, produzindo a divisão mecânica do trabalho, em paralelo à divisão social do trabalho provocada pela revolução industrial, gerou alterações substanciais no sistema de produção e nas demais atividades. A automação do sistema provocou a criação diversificada de novos setores de atividade; trata-se de uma fase intermediária entre a exploração do trabalho humano e de sua eliminação. Atingimos, com a tecnologia, um estágio da evolução social em que a aversão pelo trabalho não é apenas uma imposição da natureza biológica ou da cultura da elite. Na sociedade cibernética, tal aversão resulta também de uma nova força social: a automação. Esta prescinde do trabalho humano, porque este é ineficiente e desorganizado pelas emoções; simultaneamente a função produtora do homem é substituída pela ação consumidora. Pela primeira vez, na história da civilização, o interesse básico do sistema coincide com o anseio mais profundo das massas, quando se evidencia a conveniência social de eliminar o trabalho humano. O sistema quer livrar-se de sua inoperância ao mesmo tempo que o homem quer deixar de ser besta de carga. A nova dialética não se situa entre o trabalho e a necessidade, mas entre o lazer e a satisfação. Esta nova realidade finalmente liberta o homem de uma profunda neurose de origem ideológica: a necessidade psicológica do trabalho.

FABERANTROPO: (do latim faber e do grego anqrwpos) - homem vivendo para o trabalho. Trata-se de um espécime pré-tecnológico, designado como escravo até o século XIX e como proletário, operário ou trabalhador nas sociedades industriais. A ideologia burguesa, herdada dos nobres medievais que, por sua vez, a receberam das elites da antiguidade, gerou um modelo humanista baseado na exploração do homem, - o não burguês, - como força de produção. O chamado socialismo científico, encabeçado por Marx e Engels, consagrou o trabalho como única forma de realização humana, por ser através dele que o homem se relaciona com a natureza e com os outros homens. Por seu lado, a doutrina social da Igreja fortaleceu, com a sacralidade e a moral, a ficção socialista a serviço de uma solidariedade artificial e a ideologia capitalista a serviço da produção. Constituíram assim uma espécie de orquestra a confirmar Nietzsche em sua teoria sobre a moral dos senhores e a moral dos escravos. Desta forma, três forças doutrinalmente divergentes, em aspectos essenciais, se tornam convergentes, estimulando o homem ao trabalho e manipulando seu subconsciente, ao interiorizar a antiga função degradante do escravo como necessidade existencial. Uma atividade que deteriora a condição do homem, destrói sua saúde e reduz a duração de sua vida, por interesse do sistema social, foi transformada num modelo universal de dignificação humana, em grotesca manifestação sado-masoquista. Esta mentalidade, centrando realização individual e social no trabalho, perde a sustentação nas sociedades pós-industriais, onde a ergofobia não é apenas um instinto natural mas também um mecanismo de recondicionamento, originado na estrutura do novo sistema, onde o homem perde a função de força de produção para transformar-se em válvula esvaziante para o consumo. A concepção do humanismo tradicional, marcadamente escravizante e explorador, é claramente anacrônica. O homem das sociedades tradicionais era dominado pela ganância das elites e pelo sadismo sociocultural, ao mesmo tempo em que era vitimado pelo masoquismo psicossocial. Nas sociedades tecnológicas, a libertação dessa neurose coletiva deixa ao indivíduo a visão clara, onde não se confunde trabalho com atividade. Também fica patente a variedade de formas de lazer que são oferecidas à maioria da espécie humana e não apenas à minoria elitizada, como sucedia nas sociedades pré-industriais. O faberantropo é um modelo caracteristicamente industrial, pré-industrial ou rural. Após a revolução sociocibernética, tende a transformar-se num fóssil.

GNOSIOCRACIA: (do grego gnwsis + kratew) - domínio da ciência e do conhecimento sobre a sociedade. A valorização da filosofia, em épocas passadas, decorria da importância social da erudição. A revolução industrial coloca a filosofia num plano secundário e aumenta o valor social da técnica; tal fator é ainda mais realçado pela revolução pós-industrial. A importância da ciência, nas sociedades tecnológicas, resulta de vários fatores. A tecnologia progride apoiada no desenvolvimento científico e, na perspectiva do sistema, a ciência é valorizada não por ela mas pelos serviços que presta à tecnologia. A relação dialética entre cientistas, técnicos e tecnocratas não esgota naturalmente os fatores que fortalecem as ciências. De certo modo, os técnicos são meros executores das descobertas, indicadores e determinações da ciência, resultando daí uma importância maior dos cientistas do que dos técnicos. Por outro lado, as possibilidades de ação técnica são mais limitadas do que as da investigação científica. O aumento do tempo livre da maioria das pessoas pode levá-las ao aprimoramento intelectual, ao desenvolvimento da cultura erudita e à busca, em grande escala, do conhecimento científico. A verificar-se tal hipótese, cresce enormemente a import6ancia social da ciência. Acrescente-se o fato de haver uma dependência crônica em relação à ciência na busca de soluções para os problemas mais sérios que afligem a humanidade. Também não se deve desprezar o fato de que o aprofundamento científico freqüentemente é acompanhado de mecanismos que dificultam o acesso a informações especializadas, fortalecendo o valor dos privilegiados pelo seu oligopólio. Pode ainda situar-se a gnosiocracia no plano cibernético. Quando se constatam as possibilidades de aquisição do conhecimento científico, de sua comprovação ou demonstração, bem como de sua reelaboração, - qualidades estas privilegiadas pelo pensamento artificial, - não resta dúvida de que a gnosiocracia se afirma claramente no modelo sociocibernético, centrado nas máquinas inteligentes. Nesta hipótese, o sistema cibernético, assessorado pelos cientistas, dar-lhes-ia uma posição destacada no novo modelo de organização social. É nesta conjetura que se fortalecem não só os autores da ciência mas também os estímulos que levam à busca e à difusão do saber, dentro de uma perspectiva cibernética, devido à natureza do novo sistema de geração cognitiva, construído num grau de automação e abrangência crescentes.

HEDONANTROPO: (do grego hdonh + anqrwpos) - o homem que vive em função do prazer. Já na antiguidade clássica surgiram algumas correntes filosóficas que centralizavam a vida humana no prazer, tendo a doutrina de Epicuro se tornado célebre. A organização social, em sua complexidade, cronicamente vem criando obstáculos à satisfação e à busca do prazer, em relação à maioria; instaurou-se a dominação baseada na carência e na privação; generalizou-se o humanismo sado-masoquista, centrado no sofrimento e na aceitação conformista da miséria humana; as religiões propagaram uma moralidade em que o prazer passou de elemento natural à condição de referência pecaminosa e monstruosa. Tudo isto para assegurar os privilégios da classe dominante. Estes aspectos socioculturais, claramente inibidores das forças naturais do homem, se aprofundaram e contribuíram, numa primeira fase, para restringir as condições de vida hedônica à minoria dominante; numa segunda fase, geraram o conformismo da privação e garantiram o monopólio do hedonismo à elite; entretanto, as camadas inferiores consumiam as migalhas do prazer, chegando freqüentemente a estados hedônicos patológicos, de satisfação ultra-subjetiva. A sociedade tecnológica, pelo seu caráter materialista, pela necessidade do consumismo e pela libertação do homem do maior sofrimento da história, - que é o trabalho, - desmistificou o humanismo patológico, eliminou a hipocrisia anti-hedonista e fez o homem reverter ao seu estado de origem de animal em busca do prazer, como qualquer outra espécie. Mesmo nas épocas da história em que o sado-masoquismo mais se acirrou, - como é o caso da cultura, moralidade e religiosidade medievais, - o homem jamais conseguiu suprimir sua tendência natural para o prazer; naquelas circunstâncias a dor e o sofrimento eram freqüentemente sublimados e transformados em prazer patológico. O desenvolvimento da ciência e da tecnologia torna bem claro o caráter deturpante da cultura e da educação tradicionais, insistindo na propagação de concepções anti-naturais, a cerca da existência humana. A nova era restaura o humanismo primitivo onde a fuga da dor e a busca do prazer físico se constituem no fator primordial da realização humana; num segundo estágio, observa-se a afirmação dos prazeres culturais, morais ou psicossociais. Estas duas ordens se afirmam na sociedade tecnológica; o cibernantropo assume sua condição de animal hedônico: é sua natureza instintiva que se manifesta e se afirma. Verifica-se assim uma aliança entre o progresso material e técnico da sociedade e o valor central da existência: o prazer. Na verdade, em todas as épocas, o homem foi assim mas somente na era cibernética a maioria atinge as condições da minoritária elite que sempre viveu para o prazer.

HIPERCÉREBRO: (do grego uper do latim cerebrum) -cérebro eletrônico de grande capacidade intelectual artificial. Muito freqüentemente, vítima de miopia cultural, o homem se atribui a exclusividade da inteligência, negando-a tanto às demais criaturas da natureza como às criações da tecnologia, como é ocaso do computador. Fechado no castelo de sua própria ignorância, esse espécime pré-histórico ignora que os outros animais têm cérebro e, com ele, podem ter inteligência; é dominado por uma ficção ideológica que concebe a inteligência como faculdade espiritual, autônoma em relação ao organismo animal. Esse homo ignorans também não admite a possibilidade da construção de um cérebro artificial, baseado no desenvolvimento da eletrônica, pois não concebe outro tipo de máquina a não ser do a concepção grega clássica de instrumento capaz de efetuar movimentos mecânicos. Quando se fala de cérebro eletrônico, estamos usando um termo impróprio, quer no que se refere à estrutura da máquina inteligente quer em relação à sua capacidade. Efetivamente, a frágil e deteriorável estrutura celular do cérebro humano é muito inferior ao complexo eletrônico que constitui o computador; a capacidade de manipulação de dados, - um dos nomes para classificar a inteligência artificial, - é milhões de vezes superior à do cérebro humano. Trata-se, pois, de uma condescendente analogia a classificação do cérebro humano como fonte de inteligência; é pretensiosa para o homem a classificação do computador com cérebro eletrônico, dada a insignificância da capacidade intelectual natural. A concepção da máquina inteligente como hipercérebro resulta das pequenas semelhanças entre o pensamento natural e a inteligência artificial. Praticamente todas as qualidades do cérebro humano podem ser encontradas no computador, mas em proporções bem mais amplas. Também dificilmente encontramos na máquina inteligente as perturbações inerentes ao organismo humano e ao seu comportamento emotivo. Digitação, programação, processamento, sensores artificiais captam as informações; a inteligência artificial reflete sobre os dados, combina-os e recombina-os; atinge novos conhecimentos nem sequer imaginados pelos programadores originais; o hipercérebro alcança uma certa autonomia intelectual, realiza sua reprodução industrial e instaura um processo de vardadeira evolução da inteligência artificial.

HOMO MACHINALIS: (latim) - homem-máquina. Ao nível biológico, o homem pode ser considerado como máquina; não se trata de um conjunto de mecanismos criados pela indústria, mas isso não elimina a natureza mecânica do homem, bem como as semelhanças entre a máquina industrial e a biológica. Sob este prisma, tanto o homem primitivo quanto o cibernantropo são máquinas. A inovação introduzida pela tecnologia cibernética pode situar-se em dois planos: na estrutura física do homem, - estabelecendo a simbiose da máquina biológica com a máquina industrial, através da biônica, inserindo e substituindo órgãos naturais por mecanismos artificiais; ou, então, na estrutura psicossocial do indivíduo, - recondicionando-o dentro do novo sistema de valores, com polarização cibernética. Estas duas formas de reestruturação da espécie humana se completam no aperfeiçoamento da manipulação. Os bancos de órgãos naturais e, mais ainda, os estoques de mecanismos artificiais se vulgarizam, como lojas de peças; os centros cirúrgicos se transformam em oficinas e os médicos em engenheiros biomecânicos; quando um órgão enguiça, joga-se fora e substitui-se. A alimentação bio-energética dessa nova máquina passa a ser medida, quantificada e qualificada. Em relação aos mecanismos da estrutura psicossocial, o serviço de manutenção já se encontra em pleno funcionamento. As redes de comunicação de massa, a indústria cultural, a avalanche de propaganda são algumas das formas universais de manutenção do psiquismo mecânico do cibernantropo. A organização econômica e sociopolítica é envolvida pela eletrônica; a cultura, a moralidade e o sentimentalismo são reduzidos à logicidade; a emotividade cede o lugar à racionalidade. A subjetividade, ilusão inerente aos valores tradicionais, dá lugar à transubjetividade axiológica, onde os objetivos sociais são inteiramente assumidos e subjetivamente vividos; o novo modelo sociocibernético é introjetado em todos os indivíduos. O resultado é a criação do homo machinalis que, por natureza, construção e condicionamento, é realmente uma máquina, com componentes biológicos, mecanismos eletrônicos e determinantes sociocibernéticos.

HOMOGENEIZAÇÃO: (do grego omoiogenhs) - geração da igualdade estrutural entre os indivíduos. Já as culturas mais antigas tentaram instaurar uma igualdade entre os homens, no plano emocional, na estrutura mental e mesmo na interiorização de tabus. A homogeneização é um esforço sociocultural provocado pelo crescimento da complexidade da organização social. Simultaneamente desenvolve-se um esforço jurídico, de origem político-ideológica, para institucionalizar a igualdade de direitos e deveres, tentando estabelecer uma igualdade formal e externa. São constantes, através da história, os esforços de homogeneização emocional, mental e jurídica. No campo doutrinal, a filosofia antiga promoveu, mais ou menos inconscientemente, um certo tipo de homogeneidade abstrata, ao conceber uma natureza humana, como generalização essencial; é uma concepção acientífica, dificilmente fundamentável, mas representa uma fórmula intelectualizada de homogeneização, na afirmação de uma essência de uma natureza humana igual e da existência concreta, circunstancialmente diferente. Podemos fazer uma transferência desta concepção filosófica para o plano da axiologia social, colocando ao nível da essência os valores sociais centrais e, ao nível da existência os valores sociais secundários ou periféricos. A sociedade cibernética encontrou os instrumentos necessários à efetivação da homogeneização em escala universal. A difusão cultural e a manipulação ideológica haviam alcançado, nas sociedades tradicionais, um certo grau de igualdade estrutural; a religião, a moralidade, a erudição e a educação sempre foram usadas com esse objetivo. Nas sociedades pós-industriais, a implantação da cultura de massa, de caráter universalizante e padronizante, apoiada na abrangência e na eficiência do sistema de comunicação eletrônica, aprofundou as características massificantes do modo de pensar, sentir e agir dos indivíduos. A redução cultural de homem a um número ou peça de uma engrenagem não significa apenas sua despersonalização, mas também uma espécie de redução psicossocial e axiológica a padrões uniformes. Como resultado desta uniformização globalizante, concretizou-se a gênese de estruturas internas idênticas em todos os indivíduos, na medida em que elas refletem cada vez mais claramente o modelo social único que os condiciona.

ISOMORFISMO: (do grego iso + morfh) - comportamento de padronização uniforme. O processo de socialização, como integração do indivíduo na sociedade, tem a ordem social entre seus principais objetivos. O condicionamento social do indivíduo é, desta forma, um mecanismo fundamental a serviço do controle social, como meio e garantia dessa ordem. Paralelamente ao crescimento da complexidade social, se desenvolve um esforço de simplificação organizacional, apesar do crescimento numérico da coletividade. Só é possível aprofundar e eficiência do controle, em sociedades complexas, com a padronização comportamental. O isomorfismo, - situado mais no nível da ação e das manifestações externas, - pressupõe a homogeneização psico-axiológica dos indivíduos. É necessário reduzir a importância da emotividade, sua supressão ou canalização para interesses e objetivos desejáveis, sob o prisma do sistema social. É preciso capitalizar as energias emocionais no sentido de se alcançarem ideais sistêmicos, colocados como universais e absolutos. Procedendo assim, ao mesmo tempo que se enfraquece e restringe o campo emocional da estrutura interior, molda a estrutura mental, reelaborando o microssistema de valores de cada indivíduo. Cada vez mais o microcosmo individual é uma miniatura do macrocosmo sociocultural transformado pela era cibernética. No plano prático, a educação convencional é claramente superada pela comunicação eletrônica; a ação das instituições tradicionais é ultrapassada pelas redes de comunicação de massa; a comunicação especializada toma conta das redes computerizadas; as próprias instituições tradicionais são adaptadas e instrumentalizadas a serviço da difusão de um novo modelo social, cujo pólo de referência é o sistema sociocibernético e não os interesses circunstanciais deste ou daquele grupo social, como acontecia nas sociedades pré-cibernéticas. A consumocracia condiciona o isomorfismo; a massificação o generaliza; a banalização intelectual o facilita; a atrofia crítica o favorece e o controle cibernético o fortalece. Numa sociedade regida e organizada mecanicamente, não são toleradas diversidades fundamentais, pois um dos fatores da eficiência é a padronização, sendo também uma exigência da lógica. Quando a diversificação comportamental é tolerada é porque ela se situa na periferia do sistema e ajuda a fortalecer a unidade central.

LOGICIDADE: (do grego logos) -organização e comportamento regidos por princípios lógicos. Quando Aristóteles escreveu seu Organon, - primeiro grande tratado de lógica que se conhece, - estava elaborando um conjunto de princípios e normas, historicamente definido como lógica clássica. Modernamente desenvolveu-se a lógica matemática, de caráter mais simbólico, aprofundando a lógica clássica, Ao lado desta evolução filosófico-científica, podemos ainda constatar uma certa influência da lógica em outros campos que ultrapassam os limites da ciência, como é o caso do saber jurídico e da organização institucional. No entanto, nas sociedades pré-cibernéticas, a estrutura social e seus reflexos no comportamento humano são predominantemente emocionais. A realidade da sociedade tradicional nega frontalmente o delírio aristotélico que definiu o homem como animal racional. A racionalidade tem-se constituído, através da história, num ideal filosófico, muito mais do que uma realidade existencial abrangente. A vida do homem pré-tecnológico é um firmamento escurecido pelas emoções com algumas estrelas ou lampejos de racionalidade. No campo da organização social, onde se pressupõe ser a lógica o instrumento fundamental, numa suposta logicidade do sistema jurídico, se verifica a prevalência das emoções instituídas. A justiça seria o equivalente social da lógica. No entanto, essa lógica social tem uma existência crônica plena de desvios lógicos. Na sociedade cibernética, com um sistema organizacional centrado na inteligência artificial, a possibilidade e a necessidade do domínio lógico são estruturais. Toda a estruturação da máquina inteligente e a construção do pensamento artificial são feitas em bases lógico-científicas, não se permitindo as constantes perturbações que costumam prejudicar a inteligência natural, originadas na manifestação da emotividade. Sendo lógico o sistema, os elementos humanos que dele participam são condicionados a assumirem o pensamento e o comportamento lógicos. O fim do predomínio das emoções começou no momento em que se criou o pensamento artificial e este superou a inteligência biológica.

MACHINA SAPIENS: (latim) - máquina inteligente. Quando a teoria evolucionista quis marcar o aparecimento da inteligência humana, chamou de homo sapiens um dos descendentes dos primatas. Tal fato costuma ser apontado como o mais importante da evolução biológica, principalmente quando a miopia intelectual evita a constatação da existência da inteligência em outras espécies, dando ao homem essa faculdade superior de modo exclusivo, num testemunho concreto da semelhança entre o homem e o avestruz. O aparecimento da inteligência humana foi apenas o primeiro passo. Ao longo da história, a humanidade vem ampliando lentamente a capacidade intelectual e acumulando conhecimento. Primeiro foram as construções teóricas da filosofia; as grandes civilizações deram uma contribuição considerável para a construção da ciência; no século XX, o crescimento do conhecimento supera tudo o que as épocas anteriores produziram. Para esse salto gigantesco contribuíram decisivamente os computadores. O surgimento do pensamento artificial é o marco mais importante deste processo. A criação da máquina inteligente resultou do trabalho de alguns especialistas, - cientistas e técnicos, - e, mesmo titubeando, trouxe um aumento significativo da inteligência. O constante aprimoramento da ciência e da técnica e, principalmente, da cibernética produz várias gerações de computadores. Cada nova geração representa um salto dialético na evolução da inteligência. Ao lado das últimas máquinas inteligentes, a capacidade intelectual dos especialistas que criaram a primeira geração de computadores é bem reduzida. A machina sapiens, - equivalente pré-histórico na evolução da inteligência artificial, - é apenas o primeiro passo na instauração de uma ordem cibernética, apoiada no conhecimento e na logicidade. O fato de ela ter superado o homem pode significar a ampliação das condições da evolução humana, ao nível biológico, intelectual e social, embora os pessimistas retrógrados e escleróticos continuem tendo pesadelos apocaplípticos.

MACROCOMUNICAÇÃO: (do grego makros e do latim communicatio) -sistema global de comunicação. O processo de comunicação humana tem evoluído com as condições socioculturais e, mais recentemente, de acordo com o desenvolvimento da ciência e da tecnologia. A primeira forma de comunicação, que podíamos chamar de microcomunicação, estabelecia uma relação interpessoal. Numa segunda fase, afirmou-se a comunicação intergrupal, representando uma ampliação de campo ou abrangência. A tendência histórica é a institucionalização de todas as relações humanas, determinando o modelo de comunicação intra e interinstitucional. A predominância da formalização leva à logicização da comunicação. A automação do processo de comunicação criou as condições necessárias ao estabelecimento do macrossistema de comunicação. Aprofundando e entrelaçando sistemas diversos numa convergência internacional, sem barreiras políticas, geográficas ou culturais, atinge-se uma comunicação sistêmica cosmopolita. A tecnicização da comunicação provoca a supressão do espaço e a redução do tempo ou, pelo ângulo inverso, sua ampliação. As distâncias são eliminadas: pela comunicação eletrônica, trazemos o mundo inteiro instantaneamente até nós. Basta ter ao nosso alcance um terminal do sistema, - um simples aparelho de rádio ou televisão ou um microcomputador, -para nos tornarmos cidadãos do mundo. Em outras palavras, a macrocomunicação reduz o planeta a uma aldeia. A mais clara tendência é a transferência das ações institucionais para o sistema de comunicação. Este passa a agir como mecanismo multinstitucional e transnacional. Transforma-se na principal agência de difusão cultural e científica e é instrumentalizado como principal processo de manipulação ideológica. Como tal sistema se encontra a serviço de interesses econômicos e políticos dos grupos dominantes, -pelo menos numa fase intermediária, - sua ação está voltada para o consumismo e para a deterioração da intelectualidade. A par da crescente concentração dos meios de comunicação, se observa uma dispersão qualitativa da informação. Num estágio mais avançado, quando a autonomia tecnológica é alcançada pelo sistema, é provável que se verifique a inversão do processo no sentido da recuperação qualitativa do teor da comunicação, como resultado da libertação do sistema da direção emocional de geradores humanos.

MECANOCRACIA: (do grego mhcanh + kratew) - domínio das máquinas sobre o homem e a sociedade. A superação do homem pela máquina assume importância social já na revolução industrial; tal superioridade se verifica originalmente no plano da energia mecânica, da velocidade e da efici6encia no sistema de produção. A partir desta revolução, a máquina vai ampliando, lenta mas inexoravelmente, sua importância na organização sócio-econômica. O surgimento do pensamento artificial e da máquina inteligente, medula da revolução pós-industrial, constituiu-se em marco fundamental na efetivação da supremacia da máquina. Quando os sistemas de computação são introduzidos na organização empresarial, nas redes de comunicação, na planificação institucional, praticamente todas as decisões importantes passam a ser analisadas, elaboradas e determinadas pela inteligência artificial. Além do mais, convém lembrar que a inteligência artificial ainda está em sua fase embrionária. A gerência da sociedade passa a ser feita por ela; os gerentes humanos, - diretores empresariais, chefes institucionais e responsáveis pelos meios de comunicação social, - passam a exercer funções subalternas, como meros instrumentos auxiliares do sistema autômato. Tais funções auxiliares incluem a manutenção material do sistema, fornecimento parcial de dados à inteligência artificial e a veiculação das decisões para os escalões inferiores da organização. Estes gerentes humanos evidentemente são apenas serventes do sistema, embora alimentem, muitas vezes, a ilusão da gerência e sejam possuidores de um status superior, pela proximidade que os liga ao centro do sistema, - constituído por gerentes mecânicos do novo sistema sociocibernético. A partir da implantação da nova hierarquia, centrada na inteligência artificial, a máquina assume o controle das decisões sociais. Os elementos humanos do sistema vão sendo deslocados para áreas subalternas e inferiores da organização social. Desta forma, se amplia uma área periférica do sistema: o campo das atividades de lazer. Ao mesmo tempo que se reorienta o homem para uma nova forma de vida, centrada na satisfação, ele é afastado do miolo da organização. Tal afastamento não é resultado de uma prevenção do novo sistema contra os elementos humanos nem de rivalidade pelo poder entre eles e as máquinas inteligentes que passam a dominar o sistema. É que, para o funcionamento eficiente do novo modelo organizacional, o homem é um sério obstáculo e, como tal, precisa ser afastado do centro de decisão. O hedonismo dominante na sociedade cibernética se fortalece pela necessidade de reduzir a participação humana nas áreas centrais do sistema. Por essa razão não parece muito plausível a mecanofobia freqüentemente explorada pela ficção científica.

MECANODIDÁTICA: (do grego mhcanh + didatikos) - ensino ou aprendizagem por máquinas. Na evolução dos agentes de educação, encontramos várias mudanças significativas que vão desde o homem comum, tecnicamente despreparado, até as máquinas educadoras, mais eficientes e capazes do que qualquer educador humano. A mecanodidática se situa no plano puramente mecânico, concebendo máquinas que aprendem de outras máquinas ou de homens; pode também definir-se como forma automatizada do ensino-aprendizagem humano, sendo as máquinas inteligentes auxiliares, colaboradores ou gerentes do processo. A aprendizagem efetuada pelas máquinas é naturalmente diferente da aprendizagem humana. Ela se processa eletronicamente, sem os vícios e obstáculos que costumam atrapalhar a aprendizagem humana. O desnível entre estes dois processos se aprofunda não só devido à capacidade, mas também devido à facilidade da transmissão eletrônica do conhecimento, de máquina para máquina. Quando referimos a aprendizagem humana, feita através de máquinas, ou citamos as máquinas de ensino, estamos descrevendo um novo modelo de ensino, onde a máquina inteligente desempenha o papel principal, mesmo que o educando seja o homem. Neste processo, o homem aprende da máquina, quer naturalmente, usando os sentidos para captar a informação das máquinas, quer eletronicamente, recebendo o esmo conhecimento por infusão direta do cérebro artificial para o cérebro natural. Em estágios intermediários, usam-se os recursos audiovisuais com instrumentos didáticos; circuitos internos de TV nas escolas; transfere-se parte da educação das escolas para as redes de comunicação de massa; introduzem-se pequenas máquinas de ensino, como calculadoras; generalizam-se fitas de áudio e vídeo, como instrumentos didáticos; introduz-se o computador nas escolas a serviço do ensino e não apenas como controlador acadêmico; expande-se o uso de microcomputadores de propriedade individual, empresarial, escolar ou doméstica; criam-se as redes internacionais de informação eletrônica. Lentamente a máquina vai-se apossando de todas as formas de educação e ocupando todos os espaços sociais. O resultado da educação feita por máquinas, neste estágio de tecnologia intermediária já supera de longe tudo o que era alcançado pelo ensino tradicional. Imagine-se o que acontecerá com o educador mecânico, infundindo o conhecimento diretamente no cérebro...

MECANOPEDAGOGIA: (do grego mhcanh + pais, paidos + agw) - educação feita por máquinas. É um processo mais amplo do que a mecanodidática que se reduz ao ensino. O objeto da mecanopedagogia não é apenas a criança, - como sugere a etimologia, - mas o homem e deveria mais adequadamente chamar-se mecanoandragogia. Os agentes tradicionais da educação, - pais, professores, pedagogos, - são substituídos pelas máquinas educadoras; as instituições tradicionais de ensino e educação, - escola, família, igreja, - são substituídas pelas redes de comunicação, como agentes centrais da nova educação. Apesar dos obstáculos ideológicos, - conservadorismo, psicologismo, criativismo, espiritualismo, - todos conjugados no mesmo esforço para impedir o desenvolvimento da ciência e da técnica, a automação da educação é um fato inevitável; apesar dos obstáculos econômicos, produzidos pelos grupos de interesse que exploram a educação como mercadoria e dos profissionais da educação que temem perder seu meio de vida, com a automação do sistema educacional; apesar da irracionalidade humana que domina a educação, preferindo os meios e métodos mais anacrônicos e ineficientes; apesar de tudo isso o modelo educacional não terá condições de resistir indefinidamente à automação crescente que se verifica em quase todas as áreas da atividade e da organização social. A automação da educação, - processo muito tardio, uma vez que o modelo educacional ainda se encontra num estágio idêntico ao do início da revolução industrial, - está-se tornando uma necessidade imposta por fatores de várias ordens: a inoperância do homem em todas as atividades, incluindo a educação; a incapacidade intelectual do homem para abarcar o conhecimento que se multiplica em proporções muito superiores ao desenvolvimento da inteligência humana; a fragilidade da ação humana, no plano do condicionamento social; a busca generalizada do lazer e do prazer, tornando desnecessário o trabalho humano em todas as áreas, incluindo a educação; a necessidade de o sistema sociocibernético dominar mecanicamente todos os setores importantes da organização e da manipulação social; a necessidade de se criar e generalizar o comportamento racional, de natureza lógica e alheio às perturbações emocionais, tão freqüentes nas sociedades pré-tecnológicas. Estas e outras razões mostram quão inevitável é a automação da educação, embora ainda não se possa predeterminar com exatidão o prazo para a instauração generalizada da mecanopedagogia, eliminando o primitivismo pedagógico que contamina os modelos tradicionais.

MECANOPOLÍTICA: (do grego mhcanh + politikh) - exercício do poder político efetuado por máquinas. O exercício político é a atividade intermediária entre a organização econômica e os diversos segmentos da sociedade. Quando a organização econômica se automatiza és decisões do sistema passam a ser determinadas mecanicamente pela inteligência artificial, é natural que a organização política sofra a influência dessa automação. A automação política se inicia pelo sucesso eleitoral conseguido através dos veículos de comunicação de massa; pesquisas eleitorais são feitas com tratamento eletrônico; projeções eleitorais são feitas com o auxílio da inteligência artificial; organismos políticos são planificados e administrados por sistemas de computação. Trata-se de um estágio de transição entre o exercício político das sociedades convencionais, - organização precária sob a responsabilidade de elementos humanos, - e a organização política mecânica, centrada nas máquinas inteligentes. No momento em que a sociedade passa a ser gerida eletronicamente, desaparecem as deturpações oriundas das emoções que costumam dominar o exercício político, como ambição, ganância, corrupção, vontade neurótica de poder, radicalismo e extremismo. Desaparecem os desvios do exercício político, motivados por interesses pessoais ou partidários, por ideologias ou compromissos inconfessáveis; não há mais lugar para a relatividade do direito, a ambivalência ética ou para a aplicação emocional da justiça. Atinge-se a efetivação de uma organização realmente sistêmica. Ficará difícil a dominação de classe sobre a massa, pela impossibilidade de formas totalitárias de governo, exercido em função de interesses de minorias, agindo arbitrária e despoticamente sobre a maioria. A nova dominação política, baseada na organização do modelo cibernético, é fria, objetiva, imparcial e universal. Se ela fere o complexo de superioridade que domina a espécie humana, pelo fato de concretizar politicamente a superação do homem pela máquina e sua sujeição a um sistema gerido mecanicamente, também oferece vantagens organizacionais e sociais que compensam amplamente a ferida temporária do sentimentalismo medíocre dos humanistas conservadores. Com a mecanopolítica, o homem, mesmo quando serve a máquina, encontra melhores condições de vida do que quando um homem era dominado por outro e a maioria sofria para satisfazer os caprichos de uma minoria. A polêmica que pode gerar-se pela servidão do homem à máquina é apenas um ressaibo de especulação filosófica doentia. No novo sistema, os elementos humanos são receptores e não emissores ou geradores; as decisões emanam do pensamento artificial; a nova estrutura traz vantagens não só para a organização mas também para a existência dos humanos.

METANTROPO: (do grego meta + anqrwpos) - o homem que ultrapassou a condição humana. Esta superação se situa, nas sociedades tradicionais, no misticismo das religiões. Nas sociedades pós-industriais, tal superação se verifica em outro plano. A ciência oferece a possibilidade da superação da ignorância crônica que domina a humanidade através da história; cria os meios técnicos para superar as deficiências físicas e as doenças que sempre a atormentaram; produz as condições necessárias à superação de muitas de suas limitações biológicas e mentais. O desenvolvimento tecnológico gera um crescimento material de recursos que torna possível eliminar a histórica escravidão do homem pelas suas necessidades básicas e acaba com o principal instrumento de dominação do homem pelo homem, - sempre apoiado na exploração dessas necessidades. O metantropo se distingue fundamentalmente do homem pré-industrial pela ultrapassagem axiológica que efetuou e que, na linguagem de Nietzsche, poderia ser caracterizada como passagem da moral dos escravos para a moral dos senhores; desta forma, o metantropo seria uma versão adaptada do super-homem proposto por esse filósofo vitalista. Liberto do masoquismo místico, saboreando a satisfação material da existência, vive o presente e o futuro, rejeitando seu próprio passado, este novo homem eliminou o estado de depnd6encia interna permanente e doentio das sociedades tradicionais. Está inserido numa nova ordem dominada pela racionalidade; seu comportamento é regulado pela lógica uma vez que a ética se tornou desnecessária, por ser ela uma necessidade decorremte do descontrole emocional das velhas sociedades. Ao mesmo tempo, desaparece a insegurança gerada pela ignorância que contaminava o antigo modelo de sociedade. Este novo homem não tem alergia ao progresso científico, não tem medo da máquina e naturaliza a transferência do controle social para o domínio mecânico; integra-se harmonicamente no sistema sociocibernético, não sofrendo a freqüente miopia intelectual do homem pré-técnico; normaliza a simbiose do organismo com a máquina, sabendo que esta é também uma forma de aprimoramento e superação. Não está preocupado em dominar ninguém, porque também ninguém o domina. Não se preocupa em ser superado pela máquina inteligente porque isso significa sua libertação da escravização do homem pelo homem. Tal serenidade resulta naturalmente da prevalência da logicidade e da plenitude sistêmica. O aparecimento e proliferação do metantropo, produto da sociedade cibernética, representa um passo decisivo para a humanidade atingir os objetivos que sempre colocou e nunca alcançara: satisfação plena, vida indefinida, prazer natural permanente e conhecimento sem limites. Pela primeira vez em sua história, o homem pode-se realizar plenamente. Por outro lado, os retrógrados, avessos à ciência e à tecnologia, são espécie em extinção.

MONANTROPO: (do grego monos + anqrwpos) - o homem solitário. O convívio humano que resulta de contatos primários é característica dominante das sociedades atrasadas, das zonas rurais ou de pequenos grupos sociais. A industrialização e a urbanização estabeleceram um modo de vida em que o contato primário, interpessoal, foi sendo reduzido, favorecendo a generalização do contato secundário e das relações impessoais. Observa-se, assim, uma tend6encia inversa entre a formação de grandes aglomerados populacionais e o convívio humano. A instauração da sociedade de consumo e da sociedade de massa se constitui num marco decisivo para o surgimento do monantropo. Neste modelo social, o homem deixa de ser considerado pessoa e passa a ser encarado com máquina devoradora de produtos ou idéias-mercadorias. Não se consideram valores pessoais ou anseios individuais. Por um processo de condicionamento gradual irreversível, vão sendo determinados seus anseios, de acordo com as necessidades do sistema. Sua personalidade se transforma num programa que vai reger seu comportamento no sentido de atender aos objetivos sociais. Não se trata mais de um indivíduo mas de uma entidade numérica numa grande engrenagem em que se transformou a nova sociedade. A complexidade urbana, a generalização do anonimato, o surgimento da selva de pedra e a massificação são alguns dos fatores que contribuíram eficazmente para a despersonalização dos indivíduos. O significado metafísico da pessoa morre na massificação e, com ela, a freqüência das relações interpessoais é minimizada. Na sociedade pós-industrial, o contato entre as pessoas é apenas físico, freqüentemente; não têm significação social que ultrapassem seus papéis sociais e suas funções profissionais. Generaliza-se o contato meramente formal e expande-se o anonimato. O homem vive no meio da multidão, mas não convive com ninguém, como pessoa; a multidão nas ruas, o apinhamento nos transportes, a moradia em casulos sobrepostos, as turbas nos campos de esportes e os enxames humanos nas praias são manifestações sociais freqüentes. Nelas, raramente se verifica convívio humano; mesmo as relações mais íntimas são, muitas vezes, mero contato de objetos humanos e não relações interpessoais, - caso da prática sexual em expansão. Os indivíduos não se encaram como pessoas, mas como objetos. E esta é uma perspectiva mútua dessas relações, reproduzindo, ao mesmo tempo, a mentalidade consumista e o reflexo da visão do sistema. Neste contexto, cresce a sensação da solidão. O monantropo conhece muita gente mas não tem amigos; está no meio da multidão, mas permanece sozinho. É um eremita urbano, isolado no seu pequeno casulo, centralizando em si mesmo sua perspectiva existencial. É social sob o ponto de vista funcional e solitário existencialmente.

MONIDEOLOGIA: (do grego monos + idios + logos) - ideologia única. A diversificação ideológica, característica das sociedades tradicionais, resulta do confronto de grupos de interesse econômico, do choque de sistemas de organização coletiva, de antinomias entre os sistemas de valores, de contradições entre regimes políticos, da transitoriedade e circunstancialidade das culturas; é fortalecida pelos bairrismos políticos e regionalismos culturais e, principalmente, pela relatividade de fatores axiológicos. O pluralismo ideológico, sob o ponto de vista cultural, decorre da falta de unidade econômica e organizacional. À medida em que se promove a uniformização cultural, a internacionalização econômica, a interdependência política e a universalização da massificação, criam-se as condições para atingir a unidade ideológica. A instauração da sociedade cibernética, que não conhece barreiras econômicas, políticas ou culturais, é naturalmente acompanhada do desaparecimento natural ou forçado da diversidade e do confronto de ideologias. Sabe-se que cada ideologia reflete, representa e sustenta um sistema social e a conseqüência lógica da redução de todos os sistemas ao sistema sociocibernético é a unificação ideológica. Esta unidade não se atinge pela força ou pela eliminação dos elementos que difundiam as várias ideologias; é um processo natural de universalização axiológica que resulta do recondicionamento padronizado, em escala transnacional; tal unidade faz parte estrutural da cosmopolitização gerada pela implantação da sociedade cibernética. A monideologia é, no entanto, apenas um estágio intermediário na evolução das sociedades pós-industriais. Efetivamente, não se concebe uma ideologia sem outras ideologias, como não se concebe uma classe social sem outras classes. faz parte da natureza da ideologia a existência da antítese, sendo uma ideologia, em grande parte, a negação de outra. Ao atingir-se a unidade universal da economia, da política, da cultura e, principalmente, de estrutura axiológica, não há mais lugar para ideologias diversas, sendo a existência de uma só ideologia o caminho natural para o desaparecimento de ideologia, no significado que ela tem nas sociedades tradicionais. Além disso, ao analisar a natureza e a origem das ideologias, verifica-se que as aberrações emocionais operantes nos sistemas tradicionais são fatores determinantes na elaboração ideológica. O disfarce da realidade, efetuado pelas ideologias no plano sentimental, não tem vez num sistema sociocibernético; a inversão da realidade na consciência dos indivíduos, promovida permanentemente pela difusão ideológica, não pode verificar-se num sistema cibernético, onde a coerência e a lógica são exigências fundamentais. Como a ideologia é um esforço cultural a serviço de interesses escusos, para garantir e perpetuar a dominação de certos grupos sociais, não se pode conceber um sistema baseado na lógica da justiça social, precisando recorrer à sujeira da manipulação ideológica para se manter. E esta é, sem dúvida, a grande vantagem de sistema gerido pela inteligência artificial.

PATOLOGIA SOCIOCIBERNÉTICA: (do grego pascw + logos, do latim socius e do grego kubernhtikos) - estudo das formas de comportamento divergente na sociedade cibernética. A eficácia e a abrangência do condicionamento social realizado na sociedade cibernética deixarão margens insignificantes para o surgimento do comportamento desviante ou para anomalias sociais. O campo de análise da nova patologia social se concentra na transição das sociedades tradicionais para a sociedade tecnológica. A resistência à mudança tecnológica, a rejeição das mutações sociais e o desajustamento do indivíduo frente à aceleração das mudanças são alguns dos fatores que geram desvios sociais. O homem que vem da sociedade pré-tecnológica reagirá às inovações com atitudes diversificadas. Alguns, - escravos da história, não conseguem acompanhar o ritmo das mutações sociais ou, simplesmente, não conseguem libertar-se do peso dos valores do passado. Podemos distinguir três etapas na evolução dos fenômenos sociopatológicos: a sociedade pré-cibernética, a instauração da sociedade cibernértica e a plenitude do sistema sociocibernético. Observa-se um crescimento galopante da alienação social, como despersonalização; recrudescem os movimentos de contracultura, como gemidos de agonia do homem pré-técnico; a generalização da banalização cultural é ingrediente natural da massificação; surgem movimentos anti-tecnocratas, para defender um humanismo ultrapassado; ataca-se a própria ciência, por ser usada a serviço da implantação de uma sociedade gerida por máquinas; difunde-se um certo saudosismo sentimental, como narcisismo cultural da pré-história da organização sistêmica. Estas e outras manifestações retrógradas são muito acentuadas no período de transição. Constituem novas formas de patologia social que são acrescidas aos desvios tradicionais. Após a concretização da sociedade cibernética, as possibilidades de comportamento divergente permanecem, mas em grau muito reduzido, principalmente quando os elementos humanos, condicionados na herança da sociedade tradicional, tiverem desaparecido. Os elementos condicionados dentro da nova ordem, psicossocialmente determinados por uma socialização mecânica, penetrante e eficiente, terão comportamento anormal escasso; e, nesta hipótese, os mecanismos científicos e técnicos de recondicionamento provocarão facilmente o retorno à normalidade comportamental.

PNEUMAMECANISMO: (do grego pneuma + mhcanh) - autoconsciência da máquina inteligente. Na estrutura interna do psiquismo humano, podemos distinguir dois tipos de consciência: a moral, - pela qual a sociedade introjeta critérios de julgamento sobre o certo e o errado, o bem e o mal, - e a psicológica, - que permite ao homem tomar conhecimento e dar-se conta do mundo externo e de sua própria identidade. O aperfeiçoamento evolutivo das máquinas, chegando aos computadores das gerações mais avançadas, permite o surgimento da consciência artificial, como complemento da inteligência mecânica. Não se pode falar, com propriedade, de consciência moral, uma vez que a máquina é amoral, mas de consciência lógica, que determina os critérios da racionalidade e logicidade para seu comportamento funcional. Também não se pode falar de consciência psicológica, uma vez que a máquina não possui estrutura psíquica. Podemos falar de consciência eletrônica que permite aos computadores mais evoluídos tomar conhecimento do mundo externo e voltar-se sobre seu conhecimento e sua própria identidade. A autoconsciência, resultado de uma certa reflexão artificial, leva naturalmente à autosuficiência cognitiva e ativa, - primariamente definida como autoprogramação; ao mesmo tempo que a consciência artificial gera a autonomia da máquina, cria condições de auto-reprodução e auto-aprimoramento técnico e intelectual. Aquilo que no homem chamamos de sistema nervoso, cujo centro é o cérebro e cujos terminais são os sentidos, pode encontrar-se nos mecanismos mais sofisticados. Como se fala de espírito humano, no sentido intelectualista, também, por analogia, pode falar-se de espírito mecânico que seria o resultado da combinação entre processadores, memória, entradas e saídas, sensores artificiais, mecanismos de elaboração intelectual, centros de regulação lógica e a consciência eletrônica. Não se pode, naturalmente, confundir os mecanismos psíquicos, extremamente falhos, com os elementos eletrônicos que exercem funções análogas, na estrutura cibernética. Também não se trata de simular todos os fenômenos do comportamento ou do psiquismo. Há funções humanas que não interessam à evolução tecno-científica ou à eficiência autómata; tais funções, logicamente não são reproduzidas pelas máquinas. Há, por outro lado, funções mecânicas, mais amplas e perfeitas, que não se encontram no psiquismo humano. Na verdade, natureza biológica e condicionamento social padecem cronicamente de defeitos de planificação, elaboração e definição; já as máquinas inteligentes tendem a superar todas essas falhas.

PSICOPADRONIZAÇÃO: (do grego yuch e do latim patronus) - uniformização da estrutura mental e comportamental do homem. A industrialização, com a produção em série, iniciou o processo de padronização material em grande escala. Esta padronização se torna fator decisivo para o sistema econômico e se reflete no campo político, social e cultural. Na política, a padronização favorece o controle e a ordem social, proporcionalmente ao grau de uniformidade sociocultural e psicossocial. A difusão cultural insere-se na sociedade de consumo e, usando o sistema de comunicação de massa como principal veículo, ativa e expande o significado sociocultural da uniformidade multiplicada. A padronização comportamental resulta simultaneamente do condicionamento psicossocial que, por motivos econômicos, políticos e ideológicos, promove a homogeneização das estruturas mentais, e do desejo de identificação social, amplamente difundido pelo consumismo doutrinal. O uso de recursos tecnológicos a serviço da comunicação e do condicionamento acelera e aprofunda o processo de massificação. Na massa, promove-se simultaneamente a homogeneidade axiológica e uma certa heterogeneidade das aparências e dos valores superficiais. A padronização das estruturas psíquicas é sustentada e fortalecida pelas opções comportamentais diversificadas, que são oferecidas, como estratégia, em relação à periferia do sistema de valores e às áreas secundárias da organização social. A padronização é maior nas sociedades pós-industriais, como resultado da organização centralizada e automatizada; a diversidade psicossocial torna-se uma hipótese cada vez menos provável, na medida em que a origem e o teor do condicionamento se reduzem aos elementos geradores de um único sistema cibernético. A universalização sistêmica, produzida pela sociedade tecnológica, transforma a padronização comportamental num processo natural; a socialização cibernética tem como resultado inevitável a uniformização comportamental. O homem reflete os agentes que o condicionam: sendo as máquinas os principais agentes desse condicionamento, restará apenas a diversidade funcional, sendo estabelecida a unidade estrutural. Esta é a condição básica para permitir, no plano comportamental a efetivação de um autêntico sistema social, onde a organização é uma realidade concreta, ao nível social e não apenas no campo cibernético. Despersonalização, alienação e adestramento são fatores inerentes ao processo de padronização.

RACIONALIDADE SOCIOCIBERNÉTICA: (do latim ratio e socius e do grego kubernhtikos) - domínio da razão sobre as emoções humanas e a organização social, a partir de princípios lógicos. Quando a velha filosofia grega estabeleceu a dicotomia entre animalidade e racionalidade, não objetivava propriamente uma distinção entre o animal natural e o animal racional, mas entre e emocional e o lógico. A história do racionalismo filosófico posiciona a razão humana lutando ora contra a animalidade e a emotividade ora contra a autoridade. Chegou-se mesmo a deificar a razão. A sociedade pós-industrial avançada, gerida a partir de um centro de inteligência artificial, logicamente regulado, efetiva a racionalização da organização social e do comportamento individual. A substancial alteração provocada no sistema de valores, - substituindo-se os valores morais por princípios lógicos, - viabiliza a padronização sistêmica. O amadorismo empírico, que inspira os caricaturais modelos de organização política e jurídica das sociedades pré-industriais, dá lugar à ciência da organização, onde a matemática e a lógica servem de base para as novas relações sociais. Combina-se a frágil logicidade da natureza animal instintiva com o recondicionamento cibernético, matematicamente determinado. Quando colocamos em dúvida o caráter natural da sociabilidade humana e da racionalidade, questionamos um valor sagrado das sociedades tradicionais. Ao ser condicionado ou recondicionado pelos novos recursos técnicos, num processo de engenharia comportamental, o homem adquire uma sociabilidade orgânica. Não é um ser social como pessoa ou indivíduo personalizado; é social por fazer parte do organismo social e nele interagir com outros elementos, humanos ou mecânicos, na integração do novo sistema social. É racional não porque possuía exclusividade da inteligência, da reflexão e do raciocínio; sua racionalidade é cognitiva e ativa, intelectual e comportamental, externa, - na sua origem mecânica, através do condicionamento, - e interna, - pela interiorização do processo de organização lógica do conhecimento e dos mecanismos de controle comportamental. Evidencia-se o fato de o pensamento ou a ação racional não se originar na mente do homem, mas no centro do sistema organizacional cibernético. Trata-se, pois, de uma racionalidade adquirida pelo processo de sociocibernação; tal aquisição só se verifica satisfatoriamente com o desaparecimento do velho homem e sua substituição pelo cibernantropo. Esta mutação é uma conseqüência natural do processo evolutivo determinado pelo sistema cibernético.

ROBOTIZAÇÃO: - criação e proliferação de máquinas semelhantes ao homem ou condicionamento do homem para agir como máquina. Existem dois tipos básicos de semelhanças entre o homem e a máquina: o físico e a inteligência. Muitos supervalorizam a semelhança física, considerando robô a máquina-boneco que consegue executar os movimentos externos do homem e simular as expressões de seu funcionamento orgânico. Esta perspectiva pode representar um verdadeiro desperdício, ao investir-se na simulação das funções inferiores do homem. A verdadeira e importante semelhança está no plano intelectual, ao produzir-se a inteligência artificial, mesmo que ela se localiza numa máquina cúbica ou cilíndrica, sem nenhuma semelhança física com o corpo humano. O robô autêntico é a máquina inteligente. É na sua criação que se encontra o passo mais importante dado pela ciência e pela tecnologia. O conjunto de mutações sociais que advêm dessa criação é incalculável e imprevisível; os mais conservadores consideram-no assustador e chegam a negar, emocionalmente, a possibilidade da inteligência artificial, - ainda mais quando se trata de uma faculdade imensamente superior à do homem. Podemos apontar dois níveis fundamentais da robotização. No plano mecânico, quando referimos o uso crescente das máquinas inteligentes no exercício das atividades mais variadas, que vão desde a gerência empresarial até os serviços domésticos. A principal função da robotização é, inicialmente, a substituição do esforço físico do homem e, numa segunda fase, a redução do esforço intelectual. No plano humano, a robotização significa o condicionamento ou recondicionamento psicossocial que objetiva a mecanização das estruturas mentais e comportamentais do homem, automatizando suas decisões. O termo é sinônimo parcial de sociocibernação; a robotização se processa a partir dos elementos mecânicos geradores ou emissores do novo sistema, determinando o modo de ser, agir e pensar do cibernantropo. Este novo homem não é uma máquina, na sua estrutura fisiológica, mas no seu psiquismo, em sua estrutura interna, no seu novo ego, idêntico à máquina. Seu modelo socializador, seus quadros de referência, as molas de sua motivação não são mais resultado da transferência da socialização efetuada pelo homem, mas de uma ligação cognitiva com a inteligência artificial e do estabelecimento de uma dependência existencial, baseada na necessidade imperativa da ação lógica. A nova sociedade não precisa mais estimular tensões e conflitos internos para acionar ou manter os mecanismos de controle social. A mecanização comportamental é bastante eficiente para garantir a organização.

SOCIOCIBERNAÇÃO: (do latim socius e do grego kubernhsis) -processo de socialização dominado pela cibernética. Desde os primeiros dias de sua existência, o indivíduo é programado de acordo com os padrões sociais dominantes. A transmissão da cultura cibernética visa a identificação perfeita entre os valores e normas sociais e a consciência e o caráter individuais. Usando os recursos técnicos, a sociedade introjeta nos indivíduos, se instaura dentro deles e os molda de acordo com os interesses da organização. São cerceados os interesses e as forças individuais que não podem ser canalizados para atender à espectativa do sistema; promove-se a consciência da identidade entre as necessidades individuais e os anseios sociais; condicionam-se as aptidões do indivíduo dentro do contexto sociocibernético. Introjetam-se os mecanismos de controle, como garantia da nova ordem social. Estimula-se o desenvolvimento cerebral, a partir da manipulação genética, fortalecendo-se processos de aprendizagem cientificamente elaborados. A infusão do conhecimento e da nova ordem axiológica, dominada pela lógica, cria as condições para o surgimento do cibernantropo. A inteligência é tecnicamente desenvolvida. O homem é condicionado, através de estruturas mentais determinadas ciberneticamente para se realizar no lazer e na harmonia da integração social. Na nova sociedade, se identificam as necessidades básicas do homem, sua satisfação e seu prazer com as necessidades da sociedade. O cibernantropo, - produto científico da sociocibernação, - não é conservador nem inovador; é funcional. Voltado dinamicamente para o futuro, acompanha e assume as mudanças com naturalidade. Não tem princípios morais, mas apenas uma estruturação mental logicamente determinada, moldando sistematicamente seu comportamento. O desenvolvimento individual é promovido, não no sentido da personalização mas visando a harmonização social ou a identidade com uma concepção coletiva. O homem é explorado em todas as aptidões; desenvolvem suas potencialidades, devidamente orientadas no sentido da eficiência e da logicidade. Mais do que em qualquer outra, na sociedade cibernética o bem estar do indivíduo se identifica com os interesses do sistema e o aprimoramento deste se reflete em todos os seus elementos. A sociocibernação é um processo de condicionamento da máquina sobre o homem; o resultado normal é o crescimento das semelhanças entre o homem e a máquina, fortalecendo-se o domínio cibernético na estrutura interna do homem.

SOCIOCIBERNÉTICA: (do latim socius e do grego kubernhtikos) - conjunto de relações entre a sociologia e a cibernética. Os instrumentos e a metodologia usados na teoria sociológica convencional precisam ser adaptados à nova realidade que o estudo sociológico enfrenta na sociedade cibernética. A sociologia tradicional, dominada pela história e dependente da antropologia, de natureza conservadora, não se libertou do caráter filosófico que a originou, centrando-se na análise do humanismo convencional. Há, em muitos sociólogos, não só a ignorância dos problemas oriundos da tecnicização social, mas também uma verdadeira aversão pela automação da organização social. A aliança tradicional entre sociologia, filosofia, história, antropologia, psicologia e ciência política, está sendo sensivelmente modificada. A nova sociologia depende da eletrônica, biônica, comunicação, computação, teoria dos sistemas, lógica, engenharia humana e outras áreas do conhecimento que não se restringem às ciências humanas da perspectiva convencional. A sociocibernética é, antes de mais, a adaptação da construção sociológica a partir de modelos produzidos pelo desenvolvimento científico e tecnológico, muito mais do que a partir da evolução da erudição, como acontece nas sociedades pré-cibernéticas. Os problemas centrais não são mais a estrutura de classes, as funções institucionais, a socialização ou o controle e a ordem social. As mudanças estruturais que a tecnologia provoca na sociedade geram algumas inversões no sistema central de valores em que se alicerça a organização social. Os problemas centrais da nova sociologia, a sociocibernética, se situam na tecnicizaçao da organização sistêmica, na computerização social, na sociocibernação, na mecanocracia e na formação estrutural e comportamental do cibernantropo. É uma conseqüência natural o aparecimento da sociocibernética, como resultado da reestruturação social, a partir de um sistema gerido mecanicamente. São múltiplas as vantagens da nova ciência sobre a sociologia convencional. O alto índice de padronização social facilita a construção de leis sociológicas. Aperfeiçoam-se os recursos técnicos para apoiar a investigação sociológica e sistematizar os resultados da pesquisa. A logicização do comportamento do cientista social favorece a neutralidade axiológica e a objetividade. A universalização sociocultural aumenta o grau de probabilidade das hipóteses, levantadas pela análise sociocibernética. A criação de imensa disponibilidade de dados científicos, produzida pela inteligência artificial, facilita a construção do conhecimento sociológico. Estas e outras transformações apontam para o caráter irreversível da transição da sociologia para a sociocibernética, mesmo que isso não agrade aos sociólogos conservadores.

SOCIOMETABOLISMO: (do latim socius e do grego metabolh) - conjunto de mutações sociais. Embora o termo metabolismo tenha tradicionalmente uma aplicação restrita ao estudo da evolução da vida, siginficando alterações mais ou menos profundas na estrutura dos seres vivos, pode, por analogia, referir as mutações que se operam nas estruturas sociais, no sistema de valores ou no modelo de referências existenciais. A diferença fundamental entre a mudança, numa perspectiva tradicional, e as mutações sociais das sociedades avançadas, está na transição da área periférica do sistema de valores e dos modelos de organização social para as áreas centrais. Das mudanças circunstanciais e com significação secundária para os elementos geradores do sistema social, chegou-se a alterações estruturais. A transição da idade média para o renascimento foi acompanhada pela substituição do teocentrismo pelo antropocentrismo; a instauração da cibernética, pela universalização da automação, troca o antropocentrismo pelo mecanocentrismo. Este é o fator central do metabolismo social abordado pela sociocibernética. Dessa mutação muitas outras decorrem, principalmente na fase de transição, até que a sociedade seja totalmente transformada e polarizada pelo modelo de organização mecano-cibernética. Dois níveis fundamentais do sociometabolismo podem ser apontados: as mutações da estrutura social e as transformações da estrutura individual. No plano da estrutura social, a origem das mutações se situa na computerização da vida social, das instituições, da organização, da comunicação, do controle e da socialização. No campo da estrutura individual, o metabolismo se resume na transição do homem para o cibernantropo e na conseqüente transformação das características do pensar, sentir e agir do indivíduo. Elementos como personalidade, consciência, caráter, convicções e princípios morais, que alimentam a existência do homem pré-cibernético, - o primata do cibernantropo, -não têm muito sentido no novo modelo social. Em vez delas, poderíamos falar de banco de memória, no cérebro do cibernantropo, que regula todo o seu procedimento. Em vez do condicionamento social, pode verificar-se, com mais propriedade, o processo de programação social. Desta forma, as mutações individuais têm também sua origem nas alterações da estrutura social ou, então, nas alterações de ordem biológica, cientificamente determinadas e operadas pelo novo aparato tecnológico.

SOCIOMUTAÇÃO: (do latim socius + mutatio) - profunda mudança na estrutura social. A mudança que pode ser observada nas sociedades tradicionais é quase sempre superficial e de escassa freqüência. Tais sociedades, quer pelo domínio privilegiado de classe, quer pela estrutura institucional, promovem a perpetuação de um sistema de valores onde o passado é mais importante que o presente e o futuro. O conservadorismo que alimenta essas sociedades mantém uma estrutura axiológica cujo centro é inalterável, permitindo mudanças apenas em sua periferia. Deste modo, as mudanças estruturais são praticamente inexistentes; permitem-se e, às vezes, fomentam-se mudanças superficiais, como forma de sustentação do sistema e fortalecimento dos valores centrais. O desenvolvimento científico e tecnológico tem produzido o crescimento da mudança, de forma aprofundada e acelerada. As mudanças sociais são cada vez mais abrangentes, devido à universalização cultural; o grau de profundidade ultrapassa a periferia do sistema e começa a atingir o centro; o dinamismo que domina a ciência e a técnica se reflete na organização social e em sua estrutura axiológica, comprimindo a freqüência das mudanças em crescente aceleração. A mutação social é algum tipo de inversão efetuada nos valores que centralizam o sistema, sendo, portanto, uma mudança estrutural. Se nas sociedades pré-industriais, as mudanças estruturais são raras, podemos afirmar que, nas sociedades pós-industriais mais avançadas, dominadas pela cultura cibernética, tais mudanças também não são prováveis. Mas, numa fase de transição profunda, - como a que se opera na cibernação da sociedade, - as mutações são freqüentes. Valores centrais são substituídos: passa-se do trabalho para o lazer, da emotividade para a racionalidade, da moralidade para a lógica, do espiritualismo para o materialismo do antropocentrismo para a mecanocracia. Estas e outras sociomutações, na centralização axiológica, caracterizam uma situação passageira da evolução social: após o sistema sociocibernético estar plenamente implantado, volta-se à estabilidade orgânica e à mudança periférica controlada e planejada. Se a resistência humana à mudança é um problema social, maior é o da resistência à mutação; daí, talvez só o desaparecimento dos reacionários `a nova ordem cibernética ou sua marginalização sistêmica possam efetivar plenamente a nova estabilidade.

SOLIPSISMO: (do latim solus e ipsis) - modo de vida do homem solitário, voltado sobre si mesmo. Vários tipos de humanismo que têm surgido na história acentuam o valor da solidariedade, da disponibilidade, do altruísmo e da fraternidade. Todos condenam o egoísmo exarcebado, o individualismo solitário e a ambição desmedida. Há mesmo aqueles que pregam o amor pelos outros, desinteressado e abnegado, como forma ideal de realização humana. É patente o caráter societário que domina a cultura tradicional, onde se observa um esforço permanente no sentido de anular os exageros do egoísmo e da ambição, estimulando, pelo condicionamento social, as forças altruístas que são inerentes ao sistema de valores tradicionais. Todos os movimentos altruístas, por motivos filosóficos, políticos ou religiosos, têm tido êxito pouco significativo, ao tentarem eliminar ou reduzir forças naturais de referência egocêntrica. O cibernantropo, refletindo uma estrutura e comportamento mecânicos, não alimente valores altruístas ou solidários; sua sociabilidade é, antes de tudo, funcional; suas relações com os outros se inserem no plano da organização sistêmica; os outros também não têm significação pessoal, mas funcional. O novo homem é realizado na impessoalidade da organização e na auto-consciência funcional. Do convívio humano das sociedades tradicionais, passando pela despersonalização da massificação industrial, o homem chegou ao ensimesmamento psíquico e ontológico. Sendo os homens reduzidos à condição essencial de elementos sistêmicos ou engrenagens num conjunto mecânico, sua existência voltada para os outros, em disponibilidade afetiva ou colaboração altruísta, não tem significado. O retorno existencial do homem sobre si mesmo reúne uma configuração biológica à determinação sociocibernética, fisicamente individualizante. Embora aumentem a complexidade social, a aglomeração populacional e a massificação, o crescimento das relações interpessoais é uma hipótese irreal; ao contrário, generalizam-se as relações formais e impessoais. No meio da massa, o cibernantropo tende a fechar-se em seu casulo, voltado para suas necessidades e vivendo apenas funcionalmente para a sociedade, no plano da organização sistêmica. Vive só, num plano existencial cada vez mais restrito. É cidadão do mundo, pela universalização cultural, mas seu campo de interesses existenciais reduz-se ao momento e ao lugar presentes à consciência programada para o cibernantropo.

 

TECNOCRACIA: (do grego tecnh + kratew ) - domínio dos técnicos sobre a sociedade. A dominação social, através da história, tem sido exercida sistematicamente por minorias, quase sempre identificadas com um determinado tipo de elite. Desde as sociedades tribais, onde predomina a elite sociopolítica, representada pelo conselho de anciãos, até as sociedades pós-industriais, dominadas pela elite tecnocrata, constituída pelos detentores do oligopólio dos segredos da construção e do uso da tecnologia. Nestas sociedades, embora persistam a elite econômica e a política, dominando a maior parte das atividades sociais, pode observar-se uma tendência organizacional mais ou menos clara: a crescente influência dos tecnocratas nas decisões da organização econômica e nas determinações do exercício do poder político. A dominação dos técnicos é precedida e acompanhada do prestígio dos cientistas que criam as condições e oferecem os conhecimentos necessários ao progresso técnico. É difícil, muitas vezes, distinguir a elite científica da elite técnica, podendo a conjugação das duas ser identificada, em algumas sociedades avançadas, como embrião de uma nova minoria dominante. A tecnicização da sociedade e a cibernação da dominação social, concretizada na transferência do poder para um complexo de computação que centraliza o sistema sociocibernético, reduzem qualquer elite dominante a um plano subalterno. Mas, mesmo quando os elementos humanos são afastados do centro da organização e reduzidos a meros executores do sistema, o grupo que permanece mais próximo de centro das decisões é constituído por um pequeno clube fechado de cientistas e técnicos especializados, cuja função é manter e abastecer o centro sistêmico no plano funcional e cognitivo; este pequeno grupo se constitui no principal meio e instrumento de interação entre os geradores do sistema, - o complexo computerizado das máquinas inteligentes, - e os restantes elementos do sistema. Na fase de transição para a sociedade cibernética, todos os tipos de elites enfraquecem, em função do fortalecimento da elite tecnocrata. E, mesmo quando esta elite é relegada a um plano secundário, continua se constituindo no grupo humano de maior importância no novo modelo de organização social, em que a dominação é racionalizada, logicizada e transferida à inteligência artificial. Os tecnocratas autênticos são a primeira manifestação concreta da evolução do homem para o cibernantropo; são eles os responsáveis pela criação dos primeiros ciborgs, -formas simbióticas de organismos humanos com elementos mecânicos. São eles também os principais responsáveis pela cibernação social, com artífices da sociedade cibernética emergente.

TECNOLOGIA: (do grego tecnh + logos) -estudo do desenvolvimento técnico; aparato mecano-cibernético. A evolução tecnológica pode ser dividida em três etapas: 1. fase pré-industrial, - caracterizada pelo aparecimento de máquinas rudimentares e invenções muito espaçadas; 2. revolução industrial, - dominada pela mecanização de todos os setores da produção, grandes invenções e desenvolvimento técnico acelerado; 3. revolução pós-industrial, - marcada pela generalização da automação e pela instauração da inteligência artificial no domínio da organização social. A primeira etapa da evolução tecnológica gastou alguns milênios para produzir mecanismos primitivos, em número extremamente reduzido; na segunda, o incremento científico e a eficiência técnica aceleram de tal forma a mecanização que, num século, se produziu mais conhecimento do que em toda a história anterior da humanidade; o crescimento tecnológico evoluiu de tal forma que, em alguns casos, escapou ao controle dos próprios técnicos. Na última fase, aprofunda-se o desenvolvimento da tecnologia e criam-se máquinas que, na revolução industrial, sequer eram imaginadas. A generalização da inteligência artificial está na origem dos mecanismos mais aperfeiçoados, produzidos nesta etapa da evolução tecnológica. Costuma-se encarar, devido à ignorância, o complexo já existente como dependente da ação dos grupos econômicos, políticos ou tecnocratas; trata-se de uma situação transitória. É freqüente considerar-se o crescimento tecnológico como um mal para o homem, ignorando-se todas as contribuições da ciência e da técnica para melhorar as condições de vida da humanidade que, em sua grande maioria, pode atingir padrões de via que, em épocas passadas, eram privilégio das minorias dominantes. Existem movimentos de contestação da tecnologia, motivados por miopia intelectual, saudosismo sentimentalista ou conservadorismo cultural. Alguns grupos, que tentam evitar a expansão da cibernética e do cibernantropo, valorizam as formas de vida primitiva e vêem na tecnologia a besta do apocalipse. Alguns grupos econômicos e políticos servem-se inescrupulosamente da ciência e da técnica para realizar interesses inconfessáveis, prejudicando outros grupos e motivando algumas das rejeições humanistas feitas ao desenvolvimento tecnológico. No entanto, a automação se desenvolve inexoravelmente no sentido da cibernação total da sociedade.

TELECONTROLE: (do grego thle e do francês contrôle) - controle efetuado à distância, usando máquinas como veículos ou agentes. Uma das maiores preocupações da sociedade é a garantia da ordem social. Todas as instituições são instrumentalizadas como agências de controle social; a moralidade e censura social difusa ampliam e fortalecem a ação institucional; a socialização oferece os instrumentos necessários ao condicionamento social e constitui-se na principal forma de controle remoto. Todos esses processos são aprofundados à medida em que se desenvolve a sociedade. A ineficiência das formas de controle remoto motiva, nas sociedades tradicionais, o crescimento dos aparelhos repressivos e dos órgãos de controle externo ostensivo. O aprimoramento das ciências trouxe consigo um conhecimento mais adequado da natureza do homem e dos meios mais eficientes para a sua manipulação. A sociocibernação transforma-se num mecanismo de controle remoto eficiente; a manipulação do cérebro, biologicamente viável, aprofunda a dominação do homem até o controle da estrutura psico-somática. O recondicionamento psicossocial, veiculado pelas redes de comunicação, aumente em abrangência e penetração. O controle efetuado pelas instituições convencionais é transferido para os canais de comunicação de massa; a cultura erudita e a cultua popular dão lugar à cultura de massa; o esclarecimento é substituído pela propaganda. Usando a ciência e a técnica, a sociedade aprofunda de tal forma o condicionamento que a hipótese de comportamento divergente se torna muito remota e improvável. Ampliando a eficiência do condicionamento, pela interiorização e enraizamento subjetivo dos valores sociais, programando a mente a o comportamento do homem, o controle ostensivo do aparelho repressivo se torna praticamente desnecessário. Sendo a essência de um sistema real a organização, no sistema sociocibernético a ordem social é o valor central; a garantia dessa ordem está no telecontrole, muito mais do que nas formas de controle imediato e direto, existente nas sociedades tradicionais. Sob o ponto de vista organizacional, o sistema sociocibernético usa os canais de comunicação de massa como terminais, instrumentalizados sugestivamente como principais responsáveis pela veiculação do controle remoto, emanado a partir do centro gerador do sistema. Este processo, efetuado desde a infância do indivíduo, garante o funcionamento do novo sistema, onde o telecontrole, de forma decisiva e indispensável, realiza a interação da organização com os indivíduos.

TRANSMUTAÇÃO: (do latim trans + mutatio) - ultra mudança na estrutura social ou na evolução do homem. A quantidade e amplitude das mudanças operadas na sociedade, a aceleração crescente das mutações, determinada pelo dinamismo tecnológico ultrapasasa as perspectivas de mudança, prevista na sociedade pré-cibernética. A mudança é ultrapassada pelo seu próprio fluxo; a cultura, marcada por um movimento relativamente lento, é ultrapassada pela evolução científica e pelo avanço técnico; a estrutura mental e emocional do homem é ultrapassada pela inteligência artificial; o homem é substituído pelo cibernantropo. A aceleração tecnológica cria uma situação paradoxal: a convivência permanente da obsolescência com a mutação. Muitos indivíduos não conseguem acompanhar o ritmo das mutações operadas dentro do contexto social. A transmutação pode situar-se no plano da superação da emotividade pela racionalidade, da ética pela lógica, do homem pela máquina, da organização institucional pelo sistema cibernético. Pode verificar-se uma necrose crescente das instituições em que há predominância da emotividade e das relações interpessoais. Os sistemas caricaturais que regem as sociedades tradicionais são mecanizados e reduzidos a um sistema social único: o sistema sociocibernético. As mutações atingem um nível de profundidade e amplitude em que se vislumbram duas alternativas: a superação da mudança pelo grau de sua própria aceleração e a efetivação do controle da mudança continuamente planejado. A transmutação significa também o estágio da evolução onde a mudança não produz mais o desajustamento, a resistência à mudança ou a desorganização; a superação se situa nas características comuns da mudança das sociedades tradicionais; nestas há aversão pela mudança e as instituições se opõem às mudanças, só as aceitando quando não existe outra saída. Isto quer dizer que, sob o prisma da organização social pré-cibernética, a mudança social é um tumor indesejável. Na sociedade cibernética, a mudança é absorvida como parte natural do sistema e, em vez de ser rejeitada pelo centro de decisão, como acontece nas sociedades tradicionais, é promovida a partir do próprio sistema, sobre seus terminais mecânicos e humanos. A nova sociedade é dinamicamente estável e planificadamente mutável.

 

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